Regra geral, a
solução de conflitos jurídicos concretos se dará no âmbito jurisdicional, ou
seja, sob a tutela estatal. Há, porém, situações em que se excepciona tal
regra. Essas situações são solucionada por meio dos chamados Equivalentes
Jurisdicionais. Quais são essas situações? São 4 ao todo, divididas em dois
grupos:
a) situações
autônomas de solução de conflitos (autocomposição e autotutela); e
b) situações
heterônomas de solução de conflitos (mediação e arbitragem).
SITUAÇÕES AUTÔNOMAS
DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS:
As situações
autônomas são aquelas em que não há a intervenção de uma terceira pessoa,
estranha ao caso, na(o) condução/auxílio para a resolução da celeuma.
São duas ao todo: i)
autotutela; e ii) autocomposição.
a-i) Autotutela: a autotutela ocorre quando se
impões com as próprias forças o direito que se tem, ou se imagina ter. Em
regra, a autotutela constitui crime tipificado no art. 345 do Código Penal. É o
chamado exercício arbitrário das próprias razões. Veja: "Art. 345 -
Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima,
salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um)
mês, ou multa, além da pena correspondente à violência."
Há, no entanto, 4
exceções onde a autotutela não constitui crime, quais sejam:
- Legítima defesa
pessoal;
- Legítima defesa da
posse;
- Direito de
retenção; e
- Direito de greve.
a-ii) Autocomposição: ocorre quando as próprias
partes envolvidas no conflito, de comum acordo, resolvem a questão por meio de
renúncia/concessão recíproca - que é o que acontece com a transação (espécie de conciliação em
que há concessão recíproca) - ou por meio de renúncia/concessão unilateral,
ambos os casos sem a necessária intervenção de um terceiro
mediador/conciliador.
SITUAÇÕES
HETERÔNOMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS:
Tais situações
ocorrem quando, de fato, há a necessária intervenção de um terceiro para a
solução do conflito entre as partes. São duas: i) mediação; e ii) arbitragem.
b-i) Mediação: nessa situação o terceiro apenas
auxilia as partes a chegarem a um acordo, a uma solução. É um facilitador,
apenas. Ele não decide nada.
b-ii) Arbitragem: na arbitragem há um acordo entre as
partes para a eleição de um árbitro que deverá decidir o conflito futuro ou já
em voga. Trata-se de um negócio jurídico realizado, em tese, com autonomia da
vontade, o que faz lei entre as partes.
A fonte da
arbitragem é a CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM – nome do negócio jurídico em que as
partes optam pela solução através de um árbitro. É um gênero negocial que
compõe duas espécies:
Cláusula
compromissória – é uma convenção
de arbitragem prévia, pela qual as partes decidem que se sobrevier um
conflito relativo àquele negócio jurídico que acabou de ser celebrado, esse
conflito deverá ser resolvido pelo árbitro. Exemplo: contrato de sociedade: no
final do contrato estabelece: “eventual discussão sobre os termos deste
contrato deverá ser resolvida por árbitro.” A cláusula compromissória é
indeterminada. É para o futuro. Se sobrevier o conflito, esse conflito deverá
ser resolvido por árbitro. As partes se antecipam ao conflito e dizem que se
sobrevier o conflito relativo a determinado negócio, esse conflito deverá ser
resolvido por arbitragem. É o que costumam fazer as grandes empresas hoje. É
cláusula muito aberta e recente novidade. Foi incorporada em nosso direito em
1996. O juiz pode conhecer de ofício cláusula
compromissória. Não pode conhecer de ofício compromisso arbitral.
Compromisso
arbitral – o compromisso arbitral
pressupõe um conflito já existente.
Já existe um conflito instaurado e as partes resolvem que aquele conflito deve
ser resolvido por árbitros. O compromisso arbitral, porque sempre se refere a
um conflito concreto, pode ser precedido de uma cláusula compromissória. Feita
a cláusula compromissória, caso o conflito apareça, vai ser necessário
regulamentar a arbitragem. O conflito apareceu e as partes já sabem que aquele
conflito deverá ser resolvido por árbitro. Mas não sabem ainda quais serão as
regras da arbitragem (quem vai ser o árbitro, qual o tempo da arbitragem, o que
vai gastar com isso) e que foi decidida antes pela cláusula compromissória.
Quando o conflito surge, será preciso definir o modelo da arbitragem. Porque a
arbitragem seguirá o que as partes decidirem. O processo da arbitragem obedece
ao que as partes quiserem. São os sujeitos envolvidos que vão estabelecer as
regras do processo arbitral: quem vai ser o árbitro, quanto ele vai ganhar,
quais serão os prazos. Pode ser que o compromisso arbitral sirva como uma forma
de concretização da cláusula compromissória. É possível que haja compromisso
arbitral sem prévia cláusula compromissória. Exemplo: Acidente de trânsito:
podem as partes fazer um compromisso arbitral na hora, surgido, pois, do
conflito. O juiz pode conhecer de ofício
cláusula compromissória. Não pode conhecer de ofício compromisso arbitral.
Quem pode optar pela
arbitragem – Não é todo mundo que pode fazer arbitragem. Pela lei de
arbitragem, só pessoas capazes podem porque, ao escolher a arbitragem, está-se
abrindo mão da jurisdição estatal.
Arbitragem é
inconstitucional? – A arbitragem não seria inconstitucional, porque
estaria tirando do Judiciário alguma questão. A arbitragem não é
inconstitucional porque não é compulsória. Se a arbitragem fosse compulsória,
seria inconstitucional porque você não pode ser obrigado a não ir ao
Judiciário. Por outro lado, ninguém pode ser obrigado a demandar. Eu, pessoa
livre, capaz, posso optar por levar o meu problema a um árbitro para que ele
decida.
Arbitragem e direito público
- Há dez anos, o Brasil passou por uma grande transformação do ponto de vista
do direito administrativo. E uma dessas transformações é que agora temos um
Estado regulador, com agências reguladoras, com economia mais aberta, etc. E as
leis que descentralizam a atividade econômica há sempre a previsão de
arbitragem envolvendo entes públicos, em alguns negócios. Em parcerias
público-privadas a arbitragem é prevista. Então, não fique pensando que a
arbitragem fica restrita às questões eminentemente privadas. Mesmo no âmbito do
direito público, já se fala em arbitragem. Há hoje inúmeras hipóteses de
arbitragem no direito público. A arbitragem no direito do trabalho tem previsão
constitucional.
Objeto da arbitragem
– O objeto da arbitragem não pode ser qualquer direito. Somente direitos
disponíveis. E aqui convém entender direitos disponíveis como aqueles que
admitem conciliação.
O SISTEMA da ARBITRAGEM no BRASIL
No direito
brasileiro o árbitro escolhido pelas partes é juiz de fato e de direito.
Importante essa observação porque um árbitro que, por exemplo, receba dinheiro
por fora, pratica corrupção porque, mesmo sendo um cidadão comum, mesmo estando
no âmbito particular, naquele caso, ele é juiz porque, pela lei de arbitragem,
ao exercer as funções de arbitragem, o árbitro é juiz.
O que há de mais
complexo em tema de arbitragem no Brasil é saber qual é a posição do judiciário
estatal em face das decisões do árbitro. O que o juiz estatal pode e o que ele
não pode fazer em relação à decisão arbitral. É preciso aprender a relacionar a
decisão do árbitro com a decisão do juiz estatal.
No nosso sistema, a sentença arbitral é título executivo
judicial. Isso significa que com a sentença arbitral é possível partir
para a execução. É como se tivesse se originado de um juízo estatal. O árbitro
não pode executar as suas decisões. Ele apenas pode certificar direitos. A
execução das suas decisões sempre será feita pelo juiz estatal. O árbitro
decide, mas não executa. Em relação à sentença arbitral o juiz estatal a
executa, a cumpre, a efetiva. Essa circunstância, para Marinoni, revela que o árbitro não é juiz e não exerce jurisdição.
Tanto não exerce jurisdição que não pode efetivar as suas decisões.
Para Fredie Didier
esse não é um argumento correto. Poder ou não poder executar a decisão é um
problema de competência. Um tribunal julga a apelação e não executa a decisão.
Quem executa é o juiz a quo. O juiz
penal condena, mas quem executa é o juiz da Vara de Execuções Penais. Então,
atribuir a outro juízo a execução não torna o primeiro juiz não juiz. Não é
porque o outro Juízo executa, que o primeiro não é juiz. Daí Fredie Didier entender que o argumento de Marinoni não é
bom.
Outro ponto polêmico
que intriga Didier é o seguinte: se o árbitro decide, o Judiciário não pode
rever a decisão do árbitro. O Judiciário não pode dizer que o árbitro errou,
que é injusta. A decisão do árbitro não se
submete a um controle de mérito pelo Judiciário. Contudo, o Judiciário, diante da sentença arbitral, pode
invalidá-la, o que é muito diferente. Se a sentença tiver algum defeito,
não for fundamentada, o árbitro é corrupto, não se respeitou o contraditório, é
possível anulá-la em juízo. Eu não posso ir ao Judiciário para que o juiz dê
uma nova decisão a respeito. O Judiciário simplesmente pode anular para que
outro árbitro decida.
A alegação em juízo
do compromisso arbitral ou de decisão arbitral não se faz por preliminar de
mérito, mas por preliminar processual.
A invalidação da decisão arbitral pode ser pleiteada
pelo prazo de 90 dias, contados da intimação da decisão para a parte
propor uma ação de nulidade da sentença arbitral. Essa ação é o equivalente à
ação rescisória de sentença, com a diferença que o prazo é de 90 dias e não 2
anos e essa anulatória é só por questão de nulidade. Então, ultrapassados esses
90 dias, a sentença arbitral é definitiva.
Caso concreto: foi
celebrada convenção de arbitragem. Surgiu um problema e uma das partes já
demandou no Judiciário. Se ele demanda no Judiciário havendo convenção de
arbitragem, está errado. O réu tem que alegar, em defesa, convenção de
arbitragem - "Juiz, você não pode examinar
porque há entre nós uma convenção de arbitragem". O juiz extingue o
processo sem resolução de mérito.
Vai que o réu não
alega nada. O autor demandou indevidamente no Judiciário, o réu se defendeu mas
não alegou a convenção de arbitragem. Essa não alegação também é uma
manifestação de vontade que se soma à manifestação de vontade do autor que
demandou no Judiciário. Se os dois aceitaram ir
para o Judiciário, revogada a cláusula compromissória. Da mesma forma
que eles fizeram a cláusula, podem revogá-la depois. São livres. Ambos,
livremente, descumpriram a cláusula. Se ambos descumpriram, significa que não
estão mais a fim dela. Perderam a vontade. Não tem problema algum. Se o réu não
alegar, haverá revogação. Aconteceu isso uma vez. O réu alegou a convenção de
arbitragem e reconveio. Ao reconvir, ele está demandando no Judiciário de novo.
O juiz entendeu que, ao reconvir, ele aceitou a jurisdição estatal.
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