domingo, 8 de setembro de 2013

EQUIVALENTES JURISDICIONAIS

Regra geral, a solução de conflitos jurídicos concretos se dará no âmbito jurisdicional, ou seja, sob a tutela estatal. Há, porém, situações em que se excepciona tal regra. Essas situações são solucionada por meio dos chamados Equivalentes Jurisdicionais. Quais são essas situações? São 4 ao todo, divididas em dois grupos:

a) situações autônomas de solução de conflitos (autocomposição e autotutela); e

b) situações heterônomas de solução de conflitos (mediação e arbitragem).

SITUAÇÕES AUTÔNOMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS:
As situações autônomas são aquelas em que não há a intervenção de uma terceira pessoa, estranha ao caso, na(o) condução/auxílio para a resolução da celeuma.
São duas ao todo: i) autotutela; e ii) autocomposição.

a-i) Autotutela: a autotutela ocorre quando se impões com as próprias forças o direito que se tem, ou se imagina ter. Em regra, a autotutela constitui crime tipificado no art. 345 do Código Penal. É o chamado exercício arbitrário das próprias razões. Veja: "Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência."

Há, no entanto, 4 exceções onde a autotutela não constitui crime, quais sejam:
- Legítima defesa pessoal;
- Legítima defesa da posse;
- Direito de retenção; e
- Direito de greve.

a-ii) Autocomposição: ocorre quando as próprias partes envolvidas no conflito, de comum acordo, resolvem a questão por meio de renúncia/concessão recíproca - que é o que acontece com a transação (espécie de conciliação em que há concessão recíproca) - ou por meio de renúncia/concessão unilateral, ambos os casos sem a necessária intervenção de um terceiro mediador/conciliador.

SITUAÇÕES HETERÔNOMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS:
Tais situações ocorrem quando, de fato, há a necessária intervenção de um terceiro para a solução do conflito entre as partes. São duas: i) mediação; e ii) arbitragem.

b-i) Mediação: nessa situação o terceiro apenas auxilia as partes a chegarem a um acordo, a uma solução. É um facilitador, apenas. Ele não decide nada.

b-ii) Arbitragem: na arbitragem há um acordo entre as partes para a eleição de um árbitro que deverá decidir o conflito futuro ou já em voga. Trata-se de um negócio jurídico realizado, em tese, com autonomia da vontade, o que faz lei entre as partes.

A fonte da arbitragem é a CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM – nome do negócio jurídico em que as partes optam pela solução através de um árbitro. É um gênero negocial que compõe duas espécies:

Cláusula compromissória – é uma convenção de arbitragem prévia, pela qual as partes decidem que se sobrevier um conflito relativo àquele negócio jurídico que acabou de ser celebrado, esse conflito deverá ser resolvido pelo árbitro. Exemplo: contrato de sociedade: no final do contrato estabelece: “eventual discussão sobre os termos deste contrato deverá ser resolvida por árbitro.” A cláusula compromissória é indeterminada. É para o futuro. Se sobrevier o conflito, esse conflito deverá ser resolvido por árbitro. As partes se antecipam ao conflito e dizem que se sobrevier o conflito relativo a determinado negócio, esse conflito deverá ser resolvido por arbitragem. É o que costumam fazer as grandes empresas hoje. É cláusula muito aberta e recente novidade. Foi incorporada em nosso direito em 1996. O juiz pode conhecer de ofício cláusula compromissória. Não pode conhecer de ofício compromisso arbitral.

Compromisso arbitral – o compromisso arbitral pressupõe um conflito já existente. Já existe um conflito instaurado e as partes resolvem que aquele conflito deve ser resolvido por árbitros. O compromisso arbitral, porque sempre se refere a um conflito concreto, pode ser precedido de uma cláusula compromissória. Feita a cláusula compromissória, caso o conflito apareça, vai ser necessário regulamentar a arbitragem. O conflito apareceu e as partes já sabem que aquele conflito deverá ser resolvido por árbitro. Mas não sabem ainda quais serão as regras da arbitragem (quem vai ser o árbitro, qual o tempo da arbitragem, o que vai gastar com isso) e que foi decidida antes pela cláusula compromissória. Quando o conflito surge, será preciso definir o modelo da arbitragem. Porque a arbitragem seguirá o que as partes decidirem. O processo da arbitragem obedece ao que as partes quiserem. São os sujeitos envolvidos que vão estabelecer as regras do processo arbitral: quem vai ser o árbitro, quanto ele vai ganhar, quais serão os prazos. Pode ser que o compromisso arbitral sirva como uma forma de concretização da cláusula compromissória. É possível que haja compromisso arbitral sem prévia cláusula compromissória. Exemplo: Acidente de trânsito: podem as partes fazer um compromisso arbitral na hora, surgido, pois, do conflito. O juiz pode conhecer de ofício cláusula compromissória. Não pode conhecer de ofício compromisso arbitral.

Quem pode optar pela arbitragem – Não é todo mundo que pode fazer arbitragem. Pela lei de arbitragem, só pessoas capazes podem porque, ao escolher a arbitragem, está-se abrindo mão da jurisdição estatal.

Arbitragem é inconstitucional? – A arbitragem não seria inconstitucional, porque estaria tirando do Judiciário alguma questão. A arbitragem não é inconstitucional porque não é compulsória. Se a arbitragem fosse compulsória, seria inconstitucional porque você não pode ser obrigado a não ir ao Judiciário. Por outro lado, ninguém pode ser obrigado a demandar. Eu, pessoa livre, capaz, posso optar por levar o meu problema a um árbitro para que ele decida.

Arbitragem e direito público - Há dez anos, o Brasil passou por uma grande transformação do ponto de vista do direito administrativo. E uma dessas transformações é que agora temos um Estado regulador, com agências reguladoras, com economia mais aberta, etc. E as leis que descentralizam a atividade econômica há sempre a previsão de arbitragem envolvendo entes públicos, em alguns negócios. Em parcerias público-privadas a arbitragem é prevista. Então, não fique pensando que a arbitragem fica restrita às questões eminentemente privadas. Mesmo no âmbito do direito público, já se fala em arbitragem. Há hoje inúmeras hipóteses de arbitragem no direito público. A arbitragem no direito do trabalho tem previsão constitucional.

Objeto da arbitragem – O objeto da arbitragem não pode ser qualquer direito. Somente direitos disponíveis. E aqui convém entender direitos disponíveis como aqueles que admitem conciliação.

O SISTEMA da ARBITRAGEM no BRASIL

No direito brasileiro o árbitro escolhido pelas partes é juiz de fato e de direito. Importante essa observação porque um árbitro que, por exemplo, receba dinheiro por fora, pratica corrupção porque, mesmo sendo um cidadão comum, mesmo estando no âmbito particular, naquele caso, ele é juiz porque, pela lei de arbitragem, ao exercer as funções de arbitragem, o árbitro é juiz.

O que há de mais complexo em tema de arbitragem no Brasil é saber qual é a posição do judiciário estatal em face das decisões do árbitro. O que o juiz estatal pode e o que ele não pode fazer em relação à decisão arbitral. É preciso aprender a relacionar a decisão do árbitro com a decisão do juiz estatal.

No nosso sistema, a sentença arbitral é título executivo judicial. Isso significa que com a sentença arbitral é possível partir para a execução. É como se tivesse se originado de um juízo estatal. O árbitro não pode executar as suas decisões. Ele apenas pode certificar direitos. A execução das suas decisões sempre será feita pelo juiz estatal. O árbitro decide, mas não executa. Em relação à sentença arbitral o juiz estatal a executa, a cumpre, a efetiva. Essa circunstância, para Marinoni, revela que o árbitro não é juiz e não exerce jurisdição. Tanto não exerce jurisdição que não pode efetivar as suas decisões.

Para Fredie Didier esse não é um argumento correto. Poder ou não poder executar a decisão é um problema de competência. Um tribunal julga a apelação e não executa a decisão. Quem executa é o juiz a quo. O juiz penal condena, mas quem executa é o juiz da Vara de Execuções Penais. Então, atribuir a outro juízo a execução não torna o primeiro juiz não juiz. Não é porque o outro Juízo executa, que o primeiro não é juiz. Daí Fredie Didier  entender que o argumento de Marinoni não é bom.

Outro ponto polêmico que intriga Didier é o seguinte: se o árbitro decide, o Judiciário não pode rever a decisão do árbitro. O Judiciário não pode dizer que o árbitro errou, que é injusta. A decisão do árbitro não se submete a um controle de mérito pelo Judiciário. Contudo, o Judiciário, diante da sentença arbitral, pode invalidá-la, o que é muito diferente. Se a sentença tiver algum defeito, não for fundamentada, o árbitro é corrupto, não se respeitou o contraditório, é possível anulá-la em juízo. Eu não posso ir ao Judiciário para que o juiz dê uma nova decisão a respeito. O Judiciário simplesmente pode anular para que outro árbitro decida.

A alegação em juízo do compromisso arbitral ou de decisão arbitral não se faz por preliminar de mérito, mas por preliminar processual.

A invalidação da decisão arbitral pode ser pleiteada pelo prazo de 90 dias, contados da intimação da decisão para a parte propor uma ação de nulidade da sentença arbitral. Essa ação é o equivalente à ação rescisória de sentença, com a diferença que o prazo é de 90 dias e não 2 anos e essa anulatória é só por questão de nulidade. Então, ultrapassados esses 90 dias, a sentença arbitral é definitiva.

Caso concreto: foi celebrada convenção de arbitragem. Surgiu um problema e uma das partes já demandou no Judiciário. Se ele demanda no Judiciário havendo convenção de arbitragem, está errado. O réu tem que alegar, em defesa, convenção de arbitragem - "Juiz, você não pode examinar porque há entre nós uma convenção de arbitragem". O juiz extingue o processo sem resolução de mérito.


Vai que o réu não alega nada. O autor demandou indevidamente no Judiciário, o réu se defendeu mas não alegou a convenção de arbitragem. Essa não alegação também é uma manifestação de vontade que se soma à manifestação de vontade do autor que demandou no Judiciário. Se os dois aceitaram ir para o Judiciário, revogada a cláusula compromissória. Da mesma forma que eles fizeram a cláusula, podem revogá-la depois. São livres. Ambos, livremente, descumpriram a cláusula. Se ambos descumpriram, significa que não estão mais a fim dela. Perderam a vontade. Não tem problema algum. Se o réu não alegar, haverá revogação. Aconteceu isso uma vez. O réu alegou a convenção de arbitragem e reconveio. Ao reconvir, ele está demandando no Judiciário de novo. O juiz entendeu que, ao reconvir, ele aceitou a jurisdição estatal.

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