segunda-feira, 21 de abril de 2014

RITO/PROCEDIMENTO CÍVEL: COMO IDENTIFICAR. DICAS.

Procedimento nada mais é do que o RITO, previsto em lei, que deve ser seguido de acordo com o tipo de demanda.

1º Passo

Para se identificar qual o procedimento adequado é necessário, previamente, identificar qual é a espécie de processo em voga. Em regra, são três: a) Processo de Conhecimento; b) Processo de Execução; e c) Processo Cautelar.

Vá até o sumário (Índice Sistemático) do seu Código de Processo Civil. Lá você encontrará:

- LIVRO I – Do Processo de Conhecimento (art.1º ao art.565);
- LIVRO II – Do Processo de Execução (art.566 ao art.795);
- LIVRO III – Do Processo Cautelar (art.796 ao art.889); e
- LIVRO IV – Dos Procedimentos Especiais (art.890 ao art.1210).

2º Passo

Os processos de execução e cautelar são mais fáceis de identificar.

No processo de execução haverá sempre um título executivo judicial (Ex.: sentença) ou extrajudicial (Ex.: cheque, contrato) a ser executado. As execuções, em regra, são para: a) entrega de coisa; b) obrigação de fazer ou não fazer; c) por quantia certa; d) alimentos; e) contra a fazenda pública; e f) contra devedor insolvente.

Basta, nesses casos, ir ao Livro II do CPC e buscar o rito adequado. Ele estará lá.
Já quanto ao processo cautelar, sua incidência sempre estará ligada a outra demanda, seja ela de conhecimento ou executória. O que se pleiteia, nesses casos, é assegurar o eventual resultado da demanda principal ao final, utilizando-se de meios como sequestro (bem específico), arresto (montante de bens suficientes ao pagamento da dívida), busca e apreensão, etc.

O que dá um pouco mais de trabalho é o processo de conhecimento. Vamos a ele.

3º Passo

No processo de conhecimento há 3 espécies de procedimentos: a) Procedimento Comum; b) Procedimento Especial; e c) Procedimento do Juizado Especial Cível.

Devemos começar pelo último, ou seja, pelo procedimento do juizado. Para tanto, devemos dar uma lida no art. 3º da Lei nº 9.099/95.

Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;

II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;


“II - nas causas, qualquer que seja o valor:
a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; 
b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;
 c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; 
 d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre
e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução
f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;
g) que versem sobre revogação de doação
h) nos demais casos previstos em lei.” 

III - a ação de despejo para uso próprio;

IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.

§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:

I - dos seus julgados;
II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei.

§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial;

§ 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.

Basta identificar se a demanda pretendida se encaixa em um dos casos expressos, situação em que deverá ser adotado o procedimento/rito do juizado especial cível previsto na Lei nº 9.099/95.

4º Passo

Não sendo caso de juizado, devemos, agora, analisar se a demanda pretendida não é caso de procedimento especial (lembra? LIVRO IV do CPC).

Os procedimentos especiais se subdividem em 2: a) de jurisdição contenciosa (art.890 ao art.1102-C); e b) de jurisdição voluntária (art.1103 ao art.1210).

Trata-se de procedimentos com rol taxativo. Basta uma leitura no próprio índice para ver se a demanda pretendida se encaixa em uma das situações expressas lá.

5º Passo

Não encaixou ainda? Agora devemos partis para análise de cabimento do procedimento comum, que, por sua vez, subdivide-se em: a) ordinário; e b) sumário (art. 275, CPC).

Nesse caso, veja primeiro se é caso de procedimento sumário. Leia o art. 275 do CPC.

Não sendo o caso, restará o procedimento residual que é o comum ordinário.


Em todos os casos, observar o regramento do art.282 do CPC.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

PRAZOS PROCESSUAIS

       “Sob pena de preclusão* do direito de praticá-los, os atos processuais realizar-se-ão nos prazos prescritos em lei". (art. 177 - CPC) 

(extinção do direito de praticar o ato, por decurso de prazo e inação da parte*)


PRAZO:

Prazo é o espaço de tempo em que o ato processual da parte pode ser validamente praticado.

Todo prazo é delimitado por dois termos:

i) termo inicial (dies a quo) – é um marco para o início da contagem do prazo e ocorre, em regra, por meio de um ato consumado (Ex. intimação) que faz nascer para a parte a faculdade de promover outro ato processual que lhe incumbe (Ex. manifestar-se nos autos);

ii) termo final (dies ad quem) – marco de encerramento do lapso temporal previsto em lei, que extingue a faculdade do exercício, pela parte, do ato, tenha ou não sido esse levado a efeito.

Observação:

Ambos os termos costumam ser documentados nos autos por certidões do escrivão.

A maioria dos prazos acha-se prevista no Código. Porém, caso haja omissão na lei, caberá ao juiz determinar o prazo em que o ato do processo pode ser praticado (art. 177, segunda parte).

No sistema legal vigente há prazos não apenas para as partes, mas também para os juízes e seus auxiliares:

i) prazos próprios – são os prazos que atingem as partes (dizem respeito a elas), e sua inobservância acarreta o efeito da preclusão.

ii) prazos impróprios – são os prazos fixados aos órgãos judiciários (Juízes, por exemplo), onde a inobservância destes não decorre consequência ou efeito processual.

O prazo das partes pode ser comum ou particular:

i) comum – é o que corre, por exemplo, para “ambos os litigantes”, a um só tempo, como o de recorrer, quando há sucumbência recíproca.

ii) particular – é o que interessa ou pertence apenas a “uma das partes”, como o de contestar, o de apresentar contrarrazões, entre outros.

CLASSIFICAÇÃO DOS PRAZOS:

De forma geral, os prazos podem ser:

i) legais – são os fixados pela própria lei, a exemplo do prazo estabelecido para resposta do réu, assim como aqueles estabelecidos para a interposição de recursos.

ii) judiciais – são os marcados pelo juiz, em casos como o da designação de data para audiência (art. 331, II - CPC), o de fixação do prazo do edital (art. 232, IV - CPC), o de cumprimento da carta precatória (art. 203 - CPC), o de conclusão da prova pericial (art. 427, II - CPC), entre outros.

iii) convencionais – são aqueles ajustados entre as partes de comum acordo, a exemplo do prazo convencionado para suspensão do processo (art. 265, II, e § 3º - CPC), ou, na execução, aquele que o credor concede ao devedor para que este cumpra voluntariamente a obrigação (art. 792 - CPC).

NATUREZA DOS PRAZOS:

Segundo sua natureza, os prazos são considerados dilatórios ou peremptórios:

i) dilatório – é o prazo  que, embora fixado na lei, admite dilação/ampliação pelo juiz; ou, por convenção das partes, também a redução - além da ampliação/dilação (art. 181 - CPC). Exemplo: O prazo para falar nos atos do processo é, em regra, de 5 dias. Suponhamos que determinada demanda esteja carente no que tange a representação processual da parte em decorrência da ausência da procuração do patrono (advogado), pois o cliente em questão encontra-se em viagem e só retornará após o decurso do referido prazo (5 dias). Nesse caso, por não ensejar dano à outra parte, tem-se um prazo dilatório, sendo possível que o juiz determine um novo prazo para saneamento da pendência.

ii) peremptório – é o que a convenção das partes e, ordinariamente, o próprio juiz, não podem alterar (art. 182 - CPC). Ex.: ato ou medida para retardar ou delongar o início de qualquer ação ou pronunciamento de qualquer decisão. 

Observação:

O Código de Processo Civil concede ao juiz, em casos excepcionais, o poder de ampliação de todo e qualquer prazo, mesmo os peremptórios, desde que seja difícil o transporte na Comarca, ou tenha ocorrido caso de calamidade pública. (art. 182º, segunda parte e parágrafo único - CPC).

Quanto à ampliação ou redução dos prazos dilatórios, a convenção das partes só tem eficácia se atender aos seguintes requisitos previstos no caput do art 181º e, 181º, § 1º - CPC:

a) deve ser requerida antes do vencimento do prazo;

b) deve estar fundada em motivo legítimo;
c) deve ser objeto de aprovação do juiz, a quem compete fixar o dia do vencimento do prazo da prorrogação (art. 181, § 1º);

O Código de Processo Civil não determinou nenhum critério especial para identificar, dentro dos prazos legais, quais são os peremptórios e quais os dilatórios. 

De um modo geral, peremptório é o prazo que a seu termo cria uma situação que condiciona a própria função jurisdicional e, dilatório, aquele que põe em jogo apenas interesse particular da parte.


Com efeito, peremptórios são os prazos para contestar, para oferecer exceções e reconvenção, bem como o de recorrer. E os dilatórios são os prazos para juntar documentos, arrolar testemunhas e realizar diligências determinadas pelo juiz. 

CURSO DOS PRAZOS:

Todo prazo, em regra, é contínuo, isto é, uma vez iniciado não sofrerá interrupção em seu curso pela superveniência de feriado ou dia não útil (art. 178 - CPC).


Porém, nas férias forenses, os prazos terão efeito suspensivo, sem distinguir entre prazo dilatório e peremptório. Paralisada a contagem, o restante do prazo recomeçará a fluir a partir do primeiro dia útil seguinte ao término das férias (art. 179º - CPC).

IMPORTANTE:

O efeito suspensivo das férias forenses não se verifica quando se trata de prazo decadencial, nem tampouco em relação ao prazo do edital, já que este destina-se ao aperfeiçoamento da citação.

Outros casos de suspensão dos prazos estão previstos no art. 180 e são os seguintes:

a) o obstáculo criado pela parte contrária;
b) a morte ou perda de capacidade processual da parte, de seu representante legal ou de seu procurador;
c) a convenção das partes, se o prazo for dilatório;
d) a oposição de exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz, salvo no processo de execução.

Embora o art. 180º - CPC não faça menção ao motivo de força maior, sua ocorrência causa influência sobre o curso dos prazos. Como no impedimento da parte aos autos ou à secretaria do juízo, por exemplo, acarreta a suspensão do prazo em andamento. Figuram como exemplos dessa natureza: a suspensão dos serviços forenses por greve dos serventuários; a não localização dos autos pelo cartório; a retirada pela parte contrária ou remessa ao contador ou sua conclusão ao juiz; entre outros.
           
Ocorre, igualmente, suspensão do processo principal, quando se verifica o incidente de intervenção de terceiro, nas hipóteses de nomeação à autoria (art. 64 - CPC), denunciação da lide (art. 72 - CPC) e chamamento ao processo (art. 79 - CPC). Também a oposição (art. 60 - CPC) e o atentado (art. 881 - CPC), em algumas circunstâncias, podem causar a suspensão do processo principal.

Com a suspensão, cessa a contagem do prazo, que só recomeça no primeiro dia útil seguinte ao seu termo. E esse primeiro dia também se computa, já que não pode ser considerado dies a quo do prazo já iniciado anteriormente. 

Referências:
Conteúdo extraído do blog DIREITO A SABER DIREITO http://caduchagas.blogspot.com.br/2012/05/processo-civil-prazos.html; (COMPLEMENTADO POR NÓS)
Theodoro Jr., Humberto. Teoria Geral do Direito Processual Civil I. 53. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012. 822 p.
Alvim, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. 315p.
Silva, De Plácido e. Dicionário Jurídico Conciso. 1. ed. Rio de janeiro: Editora Forense, 2008. 749p.
Pinto, Antônio Luiz de Toledo e outros. Vade Mecum. 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. 2003p.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

PRECLUSÃO

Preclusão é a perda de um poder jurídico processual. Mas o que é esse "poder jurídico processual"? O poder jurídico processual é uma prerrogativa que determinado indivíduo possui, em dado momento, de "fazer alguma coisa", por exemplo: interpor um recurso, apresentar contestação, ajuizar uma demanda, requisitar provas, arrolar testemunhas, etc.

Se há um poder jurídico processual que se perdeu, isso é preclusão. Prescrição, decadência, caducidade também são termos que se relacionam à perda de poder, mas possuem características distintas.

Cumpre ressaltar, entretanto, que o conceito de preclusão se refere à perda de um poder tanto da parte quanto do juiz. Isso mesmo! O juiz também está sujeito à preclusão.

A preclusão, como perda do poder processual, costuma ser classificada a partir fatos jurídicos que a ocasionam. A doutrina costuma separar a preclusão em três espécies, de acordo com os fatos que a geram.

1)          Preclusão TEMPORAL – é a perda de um poder processual em razão da perda de um prazo. Havia um prazo para exercitar o poder. Não exercitou, preclusão. É a mais simples de ser entendida. Se havia um prazo para recorrer e a parte não recorreu, preclusão temporal. Pode confundir um pouco porque se parece com a decadência. Tanto que na Itália, preclusão temporal é sinônimo de decadência. Eles usam indistintamente. Para nós, atinge poderes processuais e decadência atinge direitos potestativos, de cunho material. No âmbito do processo, no Brasil, não se fala em decadência. Perde-se o direito de recorre, de contestar porque se perde o prazo.

2)            Preclusão CONSUMATIVA – após utilizar um palito de fósforo que queima todo, ele deixa de ser um palito de fósforo. Há coisas que se usa e deixa de ter, que desaparecem pelo uso. Uma das coisas que são assim, são os poderes processuais. Poder processual se perde pelo uso. A preclusão consumativa é isso. É a perda do poder processual pelo exercício dele. Exercido o poder processual, não se tem mais esse poder. A parte tinha o poder de recorrer, recorreu, não tem mais o direito. Não pode recorrer de novo alegando outra coisa. A preclusão temporal é a perda pelo não exercício, a consumativa é a perda pelo exercício. De igual forma, o juiz, ao sentenciar, não pode voltar atrás.

3)          Preclusão LÓGICA – perde-se o poder processual por ter praticado um ato incompatível com ele. Há entre o ato já praticado e o poder processual uma incompatibilidade lógica que faz com que se perca o poder processual. Se a parte aceita uma decisão, não pode depois recorrer dela. A aceitação é uma conduta incompatível com o direito de recorrer. Relaciona-se com a boa-fé, com a proibição de comportamento contraditório, do venire contra factum proprium. A preclusão lógica é uma aplicação de venire contra factum proprium no processo, estabelecida para impedir o comportamento contraditório. Ex: MP foi intimado e disse não ter interesse. Tempos depois, entra no processo para anulá-lo porque mudou de idéia. Não pode. Preclusão lógica.

Ao lado dessas três clássicas espécies de preclusão, temos ainda outra: a Preclusão POR ATO ILÍCITO – às vezes a preclusão é consequência de um ilícito processual. Alguns ilícitos processuais podem gerar, como consequência, uma determinada preclusão. Exemplo: existe um ilícito processual que se chama atentado. O atentado é um “terrorismo processual” que, pelo CPC, pode gerar a perda do direito da parte falar nos autos até corrigir as consequências do atentado. Até a parte fazer isso, fica sem falar. Praticou um ato terrorista no processo que gerou graves consequências, haverá a perda de falar nos autos (preclusão) decorrente de um ato ilícito. É importante acrescentar essa quarta espécie porque as outras três espécies de preclusão decorrem de ato lícito. Mas a preclusão também pode decorrer de ato ilícito. É uma dica importante.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

LINDB - LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO - COMENTADA

Art. 1º. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
Até o advento da Lei Complementar 95/98, posteriormente alterada pela LC 107/01, a cláusula de vigência vinha expressa, geralmente, na fórmula tradicional: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.
A partir da Lei Complementar nº 95, que alterou o Dec.-Lei 4.657/42, a vigência da lei deverá vir indicada de forma expressa, estabelecida em dias, e de modo que contemple prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, passando a cláusula padrão a ser: “ Esta lei entra em vigor após decorridos (número de dias) de sua publicação”.
No caso de o legislador optar pela imediata entrada em vigor da lei, só poderá fazê-lo se verificar que a mesma é de pequena repercussão, reservando-se para esses casos a fórmula tradicional primeiramente citada.
Na falta de disposição expressa da cláusula de vigência, aplica-se como regra supletiva a do art. 1º da LICC, que dispõe que a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada.
Por fim, a contagem de prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam períodos de vacância far-se-á incluindo a data da publicação e do último dia prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.
§ 1º. Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada.
Não havendo prazo para sua entrada em vigor, a obrigatoriedade da norma brasileira no exterior se dará após o prazo de 3 meses, contados de sua publicação no Diário Oficial, passando a ser reconhecida pelo direito internacional público e privado.
Sendo assim, a lei antiga subsistirá no exterior até 3 meses após a publicação oficial da lei nova, ou seja, antes de escoado esse prazo, a lei nova não terá incidência em país estrangeiro.
No caso de a lei nova fixar prazo superior a 3 meses para o início de sua vigência no Brasil, silenciando quanto à data de entrada em vigor no exterior, impor-se-á o prazo de vigência interna à do exterior.
Em relação às circulares e instruções dirigidas a autoridades e funcionários brasileiros no exterior, são aplicáveis desde o momento em que cheguem ao conhecimento dessas pessoas de forma autêntica.
Pode-se citar, de acordo com a doutrina de Vicente Raó1, alguns efeitos do início da obrigatoriedade da lei brasileira no estrangeiro:
– a lei brasileira passará a ter vigência três meses depois de sua publicação oficial, desde que não haja estipulação do prazo para sua entrada em vigor;
– os atos levados a efeito no exterior, de conformidade com a velha norma revogada serão válidos, porque, embora essa lei já estivesse revogada no Brasil, continuará vigorando em território alienígena até findar-se o prazo de três meses;
– os regulamentos internos, as portarias, os avisos e circulares alusivos à organização e funcionamento dos órgãos e serviços administrativos terão vigência perante as autoridades e funcionários brasileiros no exterior a partir do instante em que lhes forem, autenticamente, comunicados;
– o contrato celebrado no Brasil de acordo com a nova lei alcançará os que se encontrarem fora no país, mesmo que aquela norma ainda não tenha entrado em vigor no exterior;
– a pessoa que for parte numa relação jurídica, ao regressar ao Brasil, antes do término do prazo de três meses, sujeitar-se-á, no momento de sua chegada, à nova lei já vigente em nosso país, respeitando-se os atos já praticados no exterior segundo a lei brasileira lá vigorante.
 § 2º. A vigência das leis, que os Governos Estaduais elaborem por autorização do Governo Federal, depende da aprovação deste e começa no prazo que a legislação estadual fixar.
 § 3º. Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada à correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
No que diz respeito aos erros na publicação da lei, Ferrara é esclarecedor quando alega que “quando se trata de simples erros materiais que à primeira vista aparecem como incorreções tipográficas, ou porque a palavra inserida no texto não faz sentido ou tem um significado absolutamente estranho ao pensamento que o texto exprime enquanto a palavra, que foneticamente se lhe assemelha, se encastra exatamente na conexão lógica do discurso, ou porque estamos em face de omissões ou transposições, é fácil integrar ou corrigir pelo contexto da proposição, deve admitir-se que o juiz pode exercer a sua crítica, chegando, na aplicação da lei, até a emendar-lhe o texto”2.
Quando se tratar de erros substanciais, que podem alterar total ou parcialmente o sentido legal, a nova publicação será imprescindível. Nesse caso, observar-se-ão as seguintes situações:
– correção da norma em seu texto, por conter erros substanciais, durante a vacatio legisensejando nova publicação: nova vacatio será iniciada a partir da data da correção, anulando-se o tempo decorrido;
– várias publicações diferentes de uma mesma lei, motivadas por erro: a data da publicação será uma só e deverá ser a da publicação definitiva, ou seja, a última (RF24:480).
Assim, nos casos em que se fizer necessária republicação de lei ainda não publicada ou publicada mas ainda não vigente, por conter incorreções e erros materiais que lhe desfigurem o texto, a Casa de onde a mesma se originou publicará nova lei corrigida, e o seu período de vigência deverá ser contado a partir da nova publicação.
§ 4º. As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
As emendas ou correções em lei que já esteja em vigor são consideradas leis novas, ou seja, para corrigi-la é preciso passar por todo o processo de criação de uma lei, devendo para isso
obedecer aos requisitos essenciais e indispensáveis para a sua existência e validade.
Importante ressaltar que se a correção for feita dentro da vigência legal, a lei vigorará até a data do novo diploma legal publicado para corrigi-la, e se apenas parte da lei for corrigida, o prazo fluirá somente para a parte retificada; em ambos os casos respeitando-se os direitos e deveres decorrentes de norma publicada com incorreções e ainda não corrigida.
Assim, é preciso respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, mesmo que advindos de uma publicação errônea, levando-se em conta a boa-fé daquele que a aplicou. Em se tratando de meros erros de ortografia, facilmente identificáveis, nada impede que o prazo da vacatio legis decorra da data da publicação errada, não aproveitando a quem possa invocar tais erros.
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
 A lei pode trazer seu período de vigência de forma expressa, como por exemplo, a Lei Orçamentária, assim como pode ter seu período de vigência indeterminado, ou seja, uma vez vigente ela é válida até que outra lei posterior, de superior ou mesma hierarquia, a modifique ou revogue, não podendo revogá-la a jurisprudência, costume, regulamento, decreto, portaria e avisos, não prevalecendo nem mesmo na parte em que com ela conflitarem3.
De acordo com Maria Helena Diniz4, no primeiro caso, ter-se-à cessação da lei por causas intrínsecas, como por exemplo:
a) decurso do tempo para o qual a lei foi promulgada, por se tratar de lei temporária, salvo se a sua vigência for expressamente protraída por meio de outra norma (ex.: lei orçamentária);
b) consecução do fim a que a lei se propõe (p. ex., lei que manda pagar uma subvenção ou suspende a realização de um concurso para preencher vagas com os contratados, a fim de que se efetivem; com o aproveitamento do último funcionário contratado, a norma cessará de existir; é o que sucede também com as disposições transitórias, que se encontram no final dos Códigos ou certas leis);
c) cessação do estado de coisas não permanente (p. ex., lei emanada para atender estado de sítio ou guerra, ou para prover situação de emergência oriunda de calamidade pública), ou do instituto jurídico pressuposto pela lei, pois finda a anormalidade, extinguir-se-á a lei que a ela se refere.
Alguns doutrinadores5 entendem que há uma auto-revogação tácita da lei (revogação interna) quando faltarem as razões pelas quais foi ditada e pela ocorrência do termo final nela prefixado, alegando que, com o desaparecimento das circunstâncias fático-temporais que lhes originaram, a mesma deixará de vigorar por ter perdido seu objeto.
Entretanto, outros autores6 entendem que não há, em regra, auto-revogação tácita da lei pela cessação dos motivos que lhe deram origem, pois a mesma permanecerá vigente e válida apesar de não mais poder incidir, perdendo assim sua eficácia. Por este entendimento, o brocardo cessante ratione legis, cessat lex ipsa não representa meio indireto para revogar a norma, mas sim base para interpretá-la restritivamente, através de suas disposições excepcionais.
Já no segundo caso, em que as leis cujo período de vigência sejam indeterminados, as mesmas serão permanentes, vigorando indefinidamente e produzirão seus efeitos até que
outra lei as revogue (revogação externa).
§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
A revogação é um termo genérico, indicando a idéia da cessação da existência da norma obrigatória, e contém 2 espécies: a ab-rogação, que se dá pela supressão total da norma anterior, através da nova regulação pela lei posterior ou mesmo por haver entre ambas total incompatibilidade; e a derrogação, que ocorre quando uma parte da norma torna-se sem efeito, tornando inválidos somente os dispositivos atingidos.
A revogação poderá ser expressa, quando a 2ª lei declarar a 1ª lei extinta expressamente ou apontar os dispositivos que pretende retirar; ou ser tácita quando esta trouxer disposições incompatíveis com a 1ª lei, mesmo que nela não conste a expressão “revogam-se as disposições em contrário”.
§ 2º. A lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
A norma geral não revoga a especial, assim como a nova especial não revoga a geral, podendo ambas coexistir pacificamente, exceto se disciplinarem de maneira distinta a mesma matéria ou se a revogarem expressamente.
Sendo assim, a mera justaposição de normas, sejam gerais ou especiais, às normas já existentes, não é motivo para afetá-las, podendo ambas reger paralelamente as hipóteses por elas disciplinadas, desde que não haja contradição entre ambas.
§ 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
 O dispositivo acima trata da repristinação, que é o instituto através do qual se restabelece a vigência de uma lei revogada pela revogação da lei que a tinha revogado, como por exemplo: norma “B” revoga a norma “A”; posteriormente uma norma “C” revoga a norma “B”; a norma “A” volta a valer.
Etimologicamente, repristinação é palavra formada do prefixo latino re (fazer de novo, restaurar) e pristinus (anterior, antigo, vigência), o que significa restauração do antigo.
A repristinação não ocorre automaticamente, ou seja, só se dá por dispositivo expresso da norma; caso contrário, não se restaura a lei revogada, como no seguinte exemplo: norma “A” só volta a valer se isso estiver explicito na norma “C”, ou seja, não há repristinação automática (implícita), esta somente ocorre se for expressamente prevista.
Maria Helena Diniz7 conclui que “como se vê, a lei revocatória não voltará ipso facto ao seu antigo vigor, a não ser que haja firme propósito de sua restauração, mediante declaração expressa de lei nova que a restabeleça, restaurando-a ex nunc, sendo denominada por issorespristinatória. Faltando menção expressa, a lei revogadora ou repristinatória é lei nova que adota o conteúdo da norma primeiramente revogada. Logo, sem que haja outra lei que, explicitamente, a revigore, será a norma revogada tida como inexistente. Daí, se a norma revogadora deixar de existir, a revogada não se convalesce, a não ser que contenha dispositivo dizendo que a lei primeiramente revogada passará a ter vigência. Todavia, aquela lei revogada não ressuscitará, pois a norma que a restabelece não a faz reviver, por ser uma nova lei, cujo teor é idêntico ao daquela. A lei restauradora nada mais é do que uma nova
norma com conteúdo igual ao da lei anterior revogada”.
 Art. 3º. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
O conhecimento da lei decorre de sua publicação, ou seja, uma vez promulgada, a norma só passa vigorar com sua publicação no Diário Oficial, que é o marco para que se repute conhecida por todos.
Assim, depois de publicada e uma vez decorrido o prazo da vacatio legis (se houver), a lei passa a ser obrigatória para todos, sendo inescusável o erro e a ignorância sobre a mesma.
De acordo com Coviello8, “do princípio de que – é necessidade social se torne obrigatória para todos, a lei publicada – decorre, necessariamente, a conseqüência de que os seus efeitos abrangem a todos, independentemente do conhecimento ou da ignorância subjetiva... essa conseqüência, tão evidente, que se admitiria ainda sem disposição legislativa expressa, é absoluta: uma só exceção destruir-lhe-ia o fundamento racional”.
Sendo assim, o artigo supra contém o rigoroso princípio da inescusabilidade da ignorância da lei, preconizando que as leis sejam conhecidas, pelo menos potencialmente.
Maria Helena Diniz9, ao versar sobre o tema, faz o seguinte questionamento: “Como a publicação oficial tem por escopo tornar a lei conhecida, embora empiricamente, ante a complexidade e dificuldade técnica de apreensão, possa uma norma permanecer ignorada de fato, pois se nem mesmo cultores do direito têm pleno conhecimento de todas as normas jurídicas, como se poderia dizer que qualquer pessoa pode ter perfeita ciência da ordem jurídica para observá-la no momento de agir?”
De acordo com Tércio Sampaio Ferraz Júnior10, o ato da publicação tem como escopo apenas neutralizar a ignorância, sem contudo eliminá-la, “fazendo com que ela não seja levada em conta, não obstante possa existir”. Desta forma, a norma é conhecida, obrigatória e apta a produzir efeitos jurídicos através da publicação, protegendo a autoridade contra a desagregação que o desconhecimento da mesma possa lhe trazer, já que uma autoridade ignorada é como se inexistisse.
Ainda em relação ao artigo 3º, é preciso levar-se em conta que o mesmo versa sobre a ignorância da lei ou a ausência de seu conhecimento e também o erro no seu conhecimento. A ignorância de direito se dá quando não o conhecimento do previsto na lei sobre o fato que se trata. Já o erro de direito ocorre pelo desconhecimento do fato previsto na norma em função de falso juízo sobre o que ela dispõe, ou seja, o agente emite uma declaração de vontade baseado no falso pressuposto de que está procedendo de acordo com a lei.
A doutrina e jurisprudência têm entendido que o erro de direito e a ignorância da lei não se confundem, sustentando que o primeiro vicia o consentimento, nas hipóteses em que afete a manifestação da vontade na sua essência.
O novo Código Civil, em seu art. 139, admite o erro de direito como motivo único ou principal do negócio jurídico, desde que não implique recusa à aplicação da lei. Assim, não é levado em conta o erro de direito nas hipóteses em que o mesmo seja alegado visando à suspensão da eficácia legal por conta de sua inobservância; enquanto que nada impede que o seja alegado nos casos em que vise a evitar efeito de ato negocial, cuja formação teve interferência de vontade viciada por aquele erro.
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.
 Nos casos em que a lei for omissa, cabe ao magistrado utilizar-se das fontes integradoras do direito, que incluem a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
A utilização da analogia se dá quando o juiz busca em outra lei, que tenha suportes fáticos semelhantes, disposições que a própria lei não apresenta. Já o uso dos costumes, que tratam da prática reiterada de um hábito coletivo, público e notório, pode ter reflexos jurídicos na falta de outra disposição. Finalmente, também pode o magistrado socorrer-se dos princípios gerais de direito, que nada mais são do que regras orais que se transmitem através dos tempos, séculos às vezes, e que pontificam critérios morais e éticos como subsídios do direito.
Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
A ciência do direito, como atividade interpretativa, surge como uma teoria hermenêutica, por ter dentre outras funções, as de:
a) interpretação das normas, que compreende múltiplas possibilidades técnicas interpretativas, dando ao intérprete a liberdade jurídica na escolha destas vias, buscando sempre condições para uma decisão possível, baseada em uma interpretação e um sentido preponderante dentre às várias possibilidades interpretativas;
b) verificar a existência da lacuna jurídica, identificando a mesma e apontando os instrumentos integradores que possibilitem uma decisão possível mais favorável, com base no direito;
c) afastar contradições normativas através da indicação de critérios para solucioná-las.
De acordo com Maria Helena Diniz, a ciência jurídica exerce funções relevantes, não só para o estudo do direito, mas também para a aplicação jurídica, viabilizando-o como elemento de controle do comportamento humano ao permitir a flexibilidade interpretativa das normas, autorizada pelo art. 5º da Lei de Introdução, e ao propiciar, por suas criações teóricas, a adequação das normas no momento de sua aplicação11.
Assim, ao interpretar a norma, o intérprete deve levar em conta o coeficiente axiológico e social nela contido, baseado no momento histórico que está vivendo, já que a norma geral em si deixa em aberto várias possibilidades, deixando esta decisão a um ato de produção normativa, sem esquecer que, ao aplicar a norma ao caso concreto, deve fazê-lo atendendo à sua finalidade social e ao bem comum.
Em relação ao fim social, a mesma autora afirma que: “pode se dizer que não há norma jurídica que não deva sua origem a um fim, um propósito ou um motivo prático, que consistem em produzir, na realidade social, determinados efeitos que são desejados por serem valiosos, justos, convenientes, adequados à subsistência de uma sociedade, oportunos, etc”12.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior13, observa que os fins sociais são do direito, já que a ordem jurídica como um todo, é um conjunto de normas para tornar possível a sociabilidade humana; logo dever-se-á encontrar nas normas o seu fim (telos), que não poderá ser anti-social.
Na prática, o intérprete-aplicador deverá, em cada caso sub judice, verificar se a norma
atende à finalidade social, devendo ser interpretada inserida no próprio meio social em que está presente, já que imersa nele e conseqüentemente sob constante simbiose com o mesmo, adaptando-a às necessidades sociais existentes no momento de sua aplicação.
Dessa forma, recebendo continuamente vida e inspiração do meio ambiente, a aplicação da lei seguirá a marcha dos fenômenos sociais, estando apta a produzir a maior soma possível de energia jurídica14.
No que tange ao bem comum, sua noção é bastante complexa e composta de inúmeros elementos ou fatores. De qualquer forma, são reconhecidos comumente como elementos do bem comum a liberdade, a paz, a justiça, a utilidade social, a solidariedade ou cooperação, não resultando o bem comum da simples justaposição destes elementos, mas de sua harmonização face à realidade sociológica15.
Não há consonância na doutrina sobre a importância atribuída a esses elementos, mas de qualquer forma entende-se que ao aplicar norma, decidindo o fato, é dever de seu intérprete-aplicador estar atento ao fato de que as exigências do bem comum estejam ligadas ao respeito dos direitos individuais garantidos pela Constituição.
Sendo assim, percebe-se que todo o ato interpretativo deve estar baseado na concreção de determinado valor positivo ou objetivo, objetivo este fundado no bem comum, respeitando assim o indivíduo e a coletividade.
 Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
O art. 6º da LICC declara a inaplicabilidade da lei revogada aos processos que estão em curso, com base na intangibilidade do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, consagrados constitucionalmente.
Desta forma, a lei nova só incidirá sobre os fatos ocorridos durante seu período de vigência, não podendo a mesma alcançar efeitos produzidos por relações jurídicas anteriores à sua entrada em vigor, ou seja, alcançando apenas situações futuras.
No que diz respeito aos processos pendentes, em matéria processual vigora o princípio do isolamento dos atos processuais, que determina que a novel norma atingirá o processo no ponto em que está, não podendo a mesma retroagir aos atos processuais já realizados durante a vigência de lei anterior, visto que seus efeitos ficarão intocáveis e insuscetíveis de alteração pela lei retrooperante, pois sobre eles a nova lei não terá efeito algum.
§ 1º. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou.
Entende-se como ato jurídico perfeito o que já se tornou apto a produzir seus efeitos, pois já consumado, segundo a norma vigente, ao tempo em que se efetuou.
O ato jurídico perfeito é um dos elementos do direito adquirido e desta forma é um meio de garantir o mesmo, uma vez que, se a nova lei desconsiderasse o ato jurídico já consumado sob a vigência de lei precedente, o direito adquirindo decorrente do mesmo também desapareceria, já que sem fundamento.
Assim, a segurança do ato jurídico perfeito, que é resguardada pelo art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução, preconiza que o ato jurídico válido, consumado durante a vigência da lei que
contempla aquele direito, não poderá ser alcançado por lei posterior, sendo inclusive imunizado contra quaisquer requisitos formais exigidos pela nova lei.
Em relação aos contratos em curso de formação, aplicar-se-á a nova norma, por ter efeito imediato, na fase pré-contratual. Nos casos de os contratos terem sido legitimamente celebrados, os mesmos serão cumpridos e terão seus efeitos regulados pela lei vigente à época de seu nascimento. Carlos Maximiliano ressalva que não se confundem os contratos em curso e os contratos em curso de constituição, pois a norma hodierna só alcançará os últimos, já que os primeiros são atos jurídicos perfeitos16.
Ainda em relação aos contratos em curso de constituição, Maria Helena Diniz17 preconiza que: “Pelo art. 2.035 do Código Civil, o ato ou negócio jurídico em curso de constituição, validade celebrado antes vigência do novo diploma legal, em sua formalidade extrínseca seguirá o disposto no regime anterior, mas como não pôde irradiar quaisquer efeitos legais, que se produzirão somente por ocasião da entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002, os contratantes terão o direito de vê-lo cumprido, nos termos da novel lei, que, então, regulará seus efeitos, a não ser que as partes tenham previsto, na convenção, determinada forma de execução, desde que não contrariem preceito de ordem pública, como o estabelecido para assegurar a função social da propriedade e do contrato, visto que são resguardados constitucionalmente e pelo art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil. Os efeitos estabelecidos em cláusulas contratuais regem-se pela lei vigente ao tempo de sua celebração”.
É importante ressaltar que juízes e tribunais têm admitido a aplicação da lei nova aos atos e fatos que se encontra, quando estas forem de ordem pública, sem ofensa ao ato jurídico perfeito18.
De qualquer forma, pode-se concluir que uma vez protegido o ato jurídico perfeito, são resguardados os direitos subjetivos formados sob a égide da norma anterior, preservando assim os direitos legítimos de seus titulares.
§ 2º. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
Direito adquirido é aquele que já se integrou ao patrimônio e à personalidade de seu titular, de modo que nem norma ou fato posterior possam alterar situação jurídica já consolidada sob sua égide.
Necessária se faz aqui a distinção entre direito adquirido, que é aquele que já integrou ao patrimônio e não pode ser atingido pela lei nova, e a expectativa de direito, que é a mera possibilidade ou esperança de adquirir um direito, portanto dependente de acontecimento futuro para a concreção da efetiva constituição do mesmo. Assim, preconiza Reynaldo Porchat19 quando afirma que “Não se pode admitir direito adquirido a adquirir um direito”.
A situação de ser titular de um direito é regida por norma de competência, enquanto que a situação de exercer as permissões e autorizações correspondentes àquele direito subjetivo dependerá de normas de conduta. O princípio do direito adquirido não protegerá o titular do direito contra certos efeitos retroativos de uma norma no que disser respeito à incidência de nova norma de conduta. Um exemplo prático e elucidativo se dá na venda de um imóvel, em que é preciso ser titular do direito de propriedade (norma de competência) e a realização da referida venda se dá segundo os ditames da norma de conduta que disciplina o ato de vender. Assim, a lei nova tem condão de mudar a norma de competência que rege a situação de ser titular, mas não atingirá o ato de vender se a propriedade já foi adquirida sob a égide da lei
anterior; também o tem de modificar a norma de conduta que disciplina o ato de alienar, mas não o fará se a venda já se consumou, sendo um ato jurídico perfeito20.
Carvalho Santos21 afirma que a novel norma não retroage no que atina ao direito em si, mas tem o condão de ser aplicada no que tange ao uso ou exercício desse direito, mesmo em relação às situações já existentes antes de sua publicação.
 § 3º. Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.
A coisa julgada é um fenômeno processual que consiste na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, visto que posta ao abrigo dos recursos e de seus efeitos, consolidando os mesmos e promovendo a segurança jurídica das partes.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, assevera que “a coisa julgada protege a relação controvertida e decidida contra a incidência da nova norma. Alterando-se por esta quer as condições de ser titular, quer as de exercer atos correspondentes, o que foi fixado perante o tribunal não pode ser mais atingido retroativamente”22.
A coisa julgada é formal quando a sentença não mais estiver sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, ou porque dela não se recorreu ou nas hipóteses em que dela tenha recorrido sem atender aos princípios fundamentais dos recursos ou aos seus requisitos de admissibilidade, ou mesmo pelo esgotamento de todos os meios recursais (CPC, art. 467). Um exemplo de coisa julgada formal são as sentenças de extinção do processo sem resolução do mérito, atingidas pela preclusão.
Já a coisa julgada material é a que torna imutável e indiscutível o preceito contido na sentença de mérito, não mais sujeitando-a a recurso ordinário e extraordinário, como as sentenças de mérito proferidas com fundamento no art. 269 do CPC.
O Supremo Tribunal Federal, através da Súmula 541, dispôs que a ação rescisória é admitida contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não tenham se esgotado todos os recursos. Importante diferenciar, no que diz respeito à rescisória, a sentença passada em julgado da coisa julgada, pois a primeira é suscetível de reforma por algum recurso enquanto a segunda não pode ser alterada nem mesmo por ação rescisória. A sentença transitada em julgada poderá ser passível de ação rescisória, pois mesmo inadmitindo recurso, não há coisa julgada quando a decisão é nula23.
Importante salientar que a ação rescisória não é um recurso, mas sim uma ação de impugnação, que pode ser proposta nas hipóteses previstas em lei de forma taxativa (CPC, art. 485, I a IX), com o escopo de desconstituir uma decisão de mérito, elidindo coisa julgada, se proposta dentro do prazo decadencial de dois anos (CPC, 495). Uma vez tendo sido proposta, a ação rescisória não tem o condão de suspender a execução da decisão rescindenda, não impedindo seu cumprimento, ressaltando a hipótese de concessão de medida cautelar ou antecipatória de tutela, recompondo-se a lesão causada no caso de a rescisória ter sido julgada procedente.
Maria Helena Diniz, ao tratar do tema, afirma que “a coisa julgada é uma qualidade da sentença, declaratória ou constitutiva, e de seus efeitos, consistente na imutabilidade, que poderá existir: a) fora do processo, para impedir que a lei a prejudique, ou que o juiz volte a julgar o que já foi decidido (coisa julgada material); b) dentro do processo, em razão de uma preclusão máxima, de uma decisão colocada ao abrigo dos recursos definitivamente preclusos (coisa julgada formal)”.
Assim, a coisa julgada traz a presunção absoluta (jure et de jure) de que o direito foi aplicado de forma correta ao caso concreto, prestigiando o órgão judicante que a prolatou e garantindo a impossibilidade de sua reforma e sua executoriedade (CPC, art. 489), tendo força vinculante para as partes litigantes, funcionando como instrumento de controle ante o dinamismo jurídico.
 Art. 7º. A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
O art. 7º da LICC preconiza a lex domicilii como critério fundamental do estatuto pessoal, introduzindo o princípio domiciliar como elemento de conexão para determinar a lei aplicável, ao contrário do princípio nacionalístico, adotado pela antiga lei.
O princípio domiciliar é o que mais atende à conveniência nacional, visto ser o Brasil um país onde o fluxo de estrangeiros é considerável, eliminando o inconveniente da dupla nacionalidade ou da falta de nacionalidade.
O começo e o fim da personalidade (as presunções de morte, o nome, a capacidade e os direitos de família, que constituem o estado civil, ou seja, o conjunto de qualidades que constituem a individualidade jurídica de uma pessoa, terão suas questões resolvidas através do direito domiciliar, de acordo com o que determina o art. 7º da LICC.
lex domicilii, para ser aplicada, deverá ser precedida da análise do aplicador acerca da lei do país onde estiver domiciliada a pessoa para, a partir daí, obter a qualificação jurídica do estatuto pessoal e dos direitos de família a ela pertinentes. Assim, o juiz brasileiro deverá qualificar o domicílio de acordo com o lugar no qual a pessoa estabeleceu seu domicílio com ânimo definitivo (CC, art. 70), qualificando-o segundo o direito nacional e não de conformidade com o direito estrangeiro, estabelecendo a ligação entre a pessoa e o país onde está domiciliado, aplicando a partir daí as normas de direito cabíveis.
 § 1º. Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.
O § 1º do art. 7º da LICC versa a respeito dos impedimentos dirimentes e das formalidades da celebração do casamento, quando o mesmo for realizado no Brasil.
Há quem entenda que seja admissível a aplicação da lei pessoal dos interessados no que diz respeito às formalidades intrínsecas; mas em relação às formalidades extrínsecas do ato, dever-se-á levar em conta a lex loci actus, ou seja, a lei do local da realização do ato.
lex loci celebrationis impõe que o casamento seja celebrado de acordo com a solenidade imposta pela lei do local onde o mesmo se realizou, não importando se a forma ordenada pela lei pessoal dos nubentes seja diversa. Isso significa que, em relação às núpcias contraídas no Brasil, no que diz respeito à habilitação matrimonial e às formalidades do casamento, a lei a ser observada é a brasileira, devendo seguir-se o disposto nos arts. 1.525 a 1.542 do Código Civil, mesmo que os nubentes sejam estrangeiros.
As causas suspensivas da celebração do casamento, que estão dispostas no art. 1.523, I a IV, não interessam à ordem pública internacional, e desta forma, regerão os casamentos realizados no Brasil por pessoas não domiciliadas no exterior, mesmo que lei alienígena os contrarie.
No que diz respeito aos casamentos celebrados no exterior, quando de acordo com as formalidades legais do Estado onde foi celebrado, serão reconhecidos como válidos no Brasil, ressalvados os casos de ofensa à ordem pública brasileira e de fraude à lei nacional, se não se observarem os impedimentos matrimoniais fixados pela lei24.
Importante ressaltar que, no que tange à capacidade matrimonial e aos direitos de família, os mesmos serão regidos pela lei pessoal dos nubentes, ou seja, a lei do seu domicílio e desta forma, uma vez o casamento tendo sido consumado, seus efeitos e limitações serão submetidos à lei domiciliar.
 § 2º. O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.
O disposto no art. 7º, § 2º, da LICC, permite que os estrangeiros, ao contraírem casamento fora de seu país, possam fazê-lo perante o agente consular ou diplomático de seu país, no consulado ou fora dele.
O cônsul estrangeiro é competente para realizar casamento quando a lei nacional o atribuir tal competência e somente quando os nubentes forem co-nacionais e ele mesmo (o cônsul) tenha a mesma nacionalidade. Acerca do tema, Kahn25 afirma que “quanto aos limites, nos quais esses Estados reconhecerão os casamentos, celebrados pelos agentes diplomáticos e consulares estrangeiros, no seu território, serão determinados pela extensão normal que a doutrina e a legislação interna conferem à instituição do casamento diplomático ou consular. Assim, todos os Estados que atribuem aos seus agentes, no estrangeiro, competência para celebrar um casamento sob a condição de serem seus súditos os dois contraentes, só reconhecerão, como válidos, os casamentos contratados, por estrangeiros, no seu território, diante dos agentes diplomáticos e consulares, no caso em que ambos os esposos serão do Estado a que pertence o agente, que procedeu à celebração”.
Importante ressaltar que o casamento de estrangeiros, domiciliados ou não no Brasil, somente é celebrado conforme o direito alienígena no que diz respeito à forma do ato, pois seus efeitos materiais serão apreciados conforme a lei brasileira (RT, 200:653), não sendo possível a transcrição de assento de casamento de estrangeiro, realizado no Brasil, em consulado de seu país, no cartório do Registro Civil do respectivo domicílio (RT, 185:285).
No que tange ao casamento de brasileiros no exterior, mesmo que domiciliados fora do Brasil e quando ambos nubentes sejam brasileiros, poderá ser celebrado perante a autoridade consular brasileira, verificando-se a impossibilidade de um casamento diplomático entre uma brasileira e um estrangeiro ou apátrida.
O matrimônio contraído perante agente consular, será provado por certidão do assento no registro do consulado (RT, 207:386), que faz as vezes do cartório do Registro Civil. Na hipótese de ambos os nubentes virem para o Brasil, o assento de casamento para surtir efeito em nosso país, deverá ser trasladado dentro de 180 dias contados na volta ao nosso país, no cartório do respectivo domicílio ou, na sua, falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir (art. 1.544 do CC)26.
§ 3º. Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.
O § 3º da LICC dispõe que a invalidade do casamento será apurada pela lei do domicílio comum dos nubentes ou pela lei de seu primeiro domicílio conjugal.
No caso de os nubentes terem domicílio internacional, a lei do primeiro domicílio conjugal estabelecido após o casamento é que prevalecerá para os requisitos intrínsecos do ato nupcial e para as causas de sua nulidade, absoluta ou relativas, inclusive no que diz respeito aos vícios de consentimento.
Desta forma, é a lex domicilii quem vai esclarecer se determinado casamento é válido ou não, mesmo que estrangeira e de conteúdo diverso da norma brasileira, e não a norma de direito internacional privado.
Maria Helena Diniz27, ao tratar sobre o tema, salienta que a lex domicilii, quando for repugnante à ordem pública, não deverá ser aplicada e indica os meios para facilitar sua aplicabilidade, sendo necessário: a) a indicação pelos nubentes, no processo do casamento, de onde será o domicílio conjugal (no caso dos casamentos realizados no Brasil em que os nubentes tiverem domicílio internacional diverso, os mesmos deverão declarar onde pretendem estabelecer o primeiro domicílio conjugal, pois na falta desta declaração, presume-se que o mesmo se dará no Brasil); e b) reajuste da situação jurídica da capacidade matrimonial, de acordo com a lei daquele primeiro domicílio conjugal, que é o estabelecido pelo marido, salvo exceções especiais de acordo com os dados contidos na lei territorial. Nas relações pessoais dos cônjuges e nas entre pais e filhos prevalecerá a lei domiciliar.
Assim, o § 3º do art. 7º da LICC dispõe apenas sobre os requisitos intrínsecos ou substanciais do casamento regidos pela lei domiciliar comum aos nubentes, ou, no caso de terem os os mesmos domicílio internacional diverso, pela lei do primeiro domicílio conjugal28.
§ 4º. O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
O presente parágrafo visa a regular as relações patrimoniais entre os cônjuges, impondo como elemento de conexão a lex domicilii dos nubentes à época do ato nupcial ou do primeiro domicílio conjugal, tendo em vista os efeitos econômicos admitidos legalmente ao casamento e aos pactos antenupciais.
Assim, observar-se-á o direito brasileiro no caso de ter sido aqui estabelecido o primeiro domicílio conjugal, se os nubentes tiverem domicílios internacionais diferentes; ou o direito estrangeiro, no caso de ambos tiverem, por ocasião do ato nupcial, domicílio comum fora do Brasil.
Em relação à capacidade para celebração de pacto antenupcial, cada um dos interessados fica submetido à sua lei pessoal ao tempo da celebração do contrato (lex domicilii), observando a existência de preceito de ordem pública internacional vedando a celebração ou modificação de pactos antenupciais na constância do casamento ou alteração do regime de bens por mudança de nacionalidade ou de domicílio posterior ao casamento, de nada importando que o domicílio se transfira de um país a outro. No que tange ao regime matrimonial de bens, prevalece a lei do domicílio que ambos os nubentes tiverem no momento do casamento ou a do primeiro domicílio conjugal, na falta daquele comum, salientando que de nada adianta a mudança domiciliar com intuito de subtrair o regime matrimonial submetido anteriormente.
Ainda sobre o tema, é importante ressaltar que na hipótese de regime ou casamento convencionados no Brasil, ou mesmo casamento aqui realizado mas sem convenção de regime, o mesmo deverá ser apreciado pelo direito brasileiro. No caso de os cônjuges pretenderem fixar seu primeiro domicílio fora do Brasil, a jurisdição brasileira não será competente, pois o regime nesse caso será apreciado pela jurisdição internacional.
No caso de duas pessoas casarem aqui, domiciliadas no Brasil, e possuírem bens em diversos países, a lei brasileira não poderá se aplicar em relação a estes, em Estados onde impera a lex rei sitae, por respeito à mesma.
§ 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.
O novo Código Civil, em seu artigo 1.639, § 2º, dispõe que qualquer modificação após a celebração do ato nupcial é permitida, desde que haja autorização judicial atendendo a um pedido motivado de ambos os cônjuges, verificadas as razões por eles invocadas e a certeza de que tal mudança não venha a causar qualquer gravame a direitos de terceiros, obedecendo ao princípio da mutabilidade justificada do regime adotado.
O § 5º do art. 7º da LICC permite ao estrangeiro naturalizado brasileiro, com a expressa anuência de seu cônjuge, a adoção da comunhão parcial de bens, que é o regime matrimonial comum no Brasil, resguardados os direitos de terceiros anteriores à concessão da naturalização, ficando os mesmos inalterados, como se o regime não tivesse sofrido qualquer alteração. De acordo com o princípio da mutabilidade justificada do regime adotado, disposto no Código Civil, que visa a garantir terceiro de qualquer surpresa que advenha de um regime matrimonial de bens mutável, é exigido o registro da adoção do regime da comunhão parcial de bens, funcionando como meio de publicidade da alteração feita pelo brasileiro naturalizado29.
§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de três anos da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separarão judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no País. O Supremo Tribunal Federal, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.
O divórcio de cônjuges estrangeiros domiciliados no Brasil é reconhecido em nosso país, mas tratando-se de divórcio realizado no estrangeiro, quando um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será aqui admitido após um ano (art. 226, § 6º, da CF/88) da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação terá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país (art. 49 da Lei 6.515/77).
Maria Helena Diniz verifica que a lei brasileira constitui um obstáculo invencível ao reconhecimento do divórcio antes do prazo de um ano, contado da sentença, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, excetuando-se o fato de que já exista concessão da medida cautelar de separação de corpos, cuja data constitui marco inicial para a contagem daquele prazo legal, embora a separação de cama e mesa possa ter significação na contagem do prazo da conversão da separação judicial em divórcio30.
Uma vez homologado o divórcio obtido no estrangeiro, é permitido novo casamento no Brasil, exigindo-se para isso a prova da sentença do divórcio na habilitação matrimonial, que é a certidão da sentença de divórcio proferida no estrangeiro, devidamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (EC 45/2004).
O estrangeiro ou apátrida, cuja sentença de divórcio ainda não tenha sido homologada, e que deseje contrair novas núpcias no Brasil, está sujeito à anulação de casamento caso sua sentença de divórcio seja negada pelo STJ. Washington de Barros Monteiro esclarece ainda que a homologação de sentença pode ser negada quando estrangeiros aqui domiciliados se dirigem à justiça de outro país para obter a sentença de divórcio, burlando a soberania nacional, sendo isso apenas tolerado se o divórcio foi pronunciado no foro dos cônjuges. No caso de a sentença for proferida em país onde jamais os cônjuges residiram ou de onde não são naturais, a homologação tem sido denegada, podendo ser apenas concedida, com restrições, para fins patrimoniais31.
§ 7º. Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
De acordo com o critério da unidade domiciliar, mantido § 7º do art. 7º da LICC, no que diz respeito às relações pessoais entre os cônjuges, seus direitos e deveres recíprocos, e aos direitos e obrigações decorrentes da filiação, aplicar-se-á a lei do domicílio familiar, que se estende aos cônjuges e aos filhos menores não emancipados.
Maria Helena Diniz salienta que “Preciso será esclarecer que não mais se considera a pessoa do marido em si, mas o domicílio da família, ou seja, de ambos os consortes, ou melhor, o do País onde o casal fixou domicílio logo após as núpcias, com intenção de constituir família e o seu centro negocial”, respeitando assim o princípio da igualdade jurídica dos cônjuges, representando um sistema familiar em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre marido e mulher (arts. 1.567 e 1.569 do CC)32.
No que tange aos tutelados e curatelados, depois de assumido o encargo tutelar, em em virtude de estarem sob sua guarda, submeter-se-ão à lei domiciliar de seus tutores e curadores.
Assim, o § 7º do art. 7º trata do caso de domicílio internacional legal quando dispõe que, exceto na hipótese de abandono, o domicílio familiar, eleito pelo casal ou em alguns países pelo marido, estende-se ao outro cônjuge, quando for o caso, e aos filhos menores não emancipados, e o do tutor ou curador, aos incapazes sob sua guarda (Código Bustamante, art. 24).
§ 8º. Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.
O Código Bustamante, em seu artigo 26, preleciona que aquele que não tiver domicílio conhecido, considerar-se-á domiciliado no local de sua residência acidental ou naquele em que se encontrar, impossibilitando a hipótese de dupla residência.
Na falta do critério do domicílio, que é a conexão principal, a lei indica critérios de conexão subsidiários, ou seja, o lugar da residência ou daquele em que a pessoa se achar, aplicados sucessivamente na medida em que o anterior não possa preencher sua função, não se tratando de concurso cumulativo, mas sim sucessivo.
Art. 8º. Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.
A lei territorial é a que se aplica somente no território nacional, atendendo a interesses internos relativos à nação de origem, obrigando unicamente dentro do território, ou seja, o órgão judicante somente poderá aplicar no território nacional aquela norma. A lei é extraterritorial quando permite que o magistrado possa aplicar lei diversa de seu ordenamento jurídico, em relação a fatos ocorridos no seu território ou no estrangeiro, como por exemplo nas hipóteses em que o próprio art. 8º, §§ 1º e 2º da LICC dispõem.
O artigo 8º da LICC define a qualificação dos bens como territorial, já que a eles se aplicam as leis do país onde estiverem situados.
Sendo assim, o critério jurídico que visa a regular coisas móveis de situação permanente, incluindo as de uso pessoal ou imóveis (ius in re) é o da lex rei sitae, que importa na determinação do território, que é o espaço limitado no qual o Estado exerce competência. No que diz respeito ao regime da posse, da propriedade e dos direitos reais sobre coisa alheia, nenhuma lei poderá ter competência maior do que a do território onde se encontrarem os bens que constituem seu objeto33.
É importante ressaltar que a lex rei sitae regulará apenas os bens móveis ou imóveis considerados individualmente (uti singuli), pertencentes a nacionais ou estrangeiros, domiciliados no país ou não; enquanto que os bens uti universitas, como p. ex. o espólio e o patrimônio conjugal, são regidos pela lei reguladora da sucessão (lex domicilii do autor da herança), excetuando-se as hipóteses de desapropriação de imóvel de tutelado ou da massa falida, ocasiões em que os bens uti universitas também poderão ser disciplinados pela lex rei sitae.
Nas hipóteses de mudança de situação de um bem móvel, a lei que disciplina a nova situação deverá ser aplicada, respeitados os direitos adquiridos. Acerca do tema, Pillet e Neboyet afirmam que “todo o direito adquirido sobre um móvel corpóreo, na conformidade das disposições da lei do lugar da sua situação, deve ser respeitado no segundo país, para o qual tenha sido transportado, até que nasça um direito diferente, segundo a lei deste último país”34.
Em relação aos navios e aeronaves, os mesmos serão regidos pela lei do pavilhão, ou seja, pela lei do país em que estiverem matriculados e cuja competência só será afastada nos casos em que a ordem pública o exigir.
§ 1º. Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.
O § 1º do art. 8º da LICC prevê a aplicação da lex domicilii do proprietário no que tange aos bens móveis que o mesmo trouxer consigo, para uso pessoal ou em razão de negócio mercantil, que podem transitar por vários lugares até chegar ao local de destino.
Em função da instabilidade de localização ou mesmo da mudança transitória de tais bens, afasta-se aqui a aplicação da lex rei sitae, aplicada aos bens localizados permanentemente, e aplica-se a lex domicilii de seu proprietário, ou seja, o direito de Estado no qual o mesmo tem domicílio, visando a atender interesses econômicos, políticos e práticos.
§ 2º. O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.
No que tange ao penhor, a LICC dispõe que a lei do domicílio do possuidor da coisa empenhada é que será aplicada, tanto no que diz respeito ao objeto sobre o qual recairá o direito real e quais seus efeitos, quanto nas questões atinentes à publicidade, à necessidade ou dispensa de tradição real para sua validade.
Importante salientar que pouco importará a localização do bem dado em penhor, pois pela lei este estará situado no domicílio do possuidor (fictio iuris) no momento de ser constituído o direito real de garantia, resguardando assim a segurança negocial, e garantindo direitos de terceiros.
Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
No que diz respeito às obrigações, o art. 9º da LICC dispõe que a lei do país onde se constituírem as mesmas é que serão aplicadas para qualificá-las e regê-las.
Em se tratando de obrigações ex lege, o art. 165 do Código Bustamante afirma que as mesmas serão regidas pelo direito que as estiver estabelecido, já que são conseqüência de uma relação jurídica principal, da qual são acessórias. Devido ao fato de não serem autônomas, acabam reguladas pela mesma lei que disciplina a relação principal.
As obrigações ex delicto, que são as decorrentes da prática de um ato ilícito, são regidas pela lei do lugar onde o delito foi cometido (lex loci delicti commissi), solucionando questões sobre causas justificativas e dirimentes, culpabilidade, qualificação do ato como ilícito, etc. No caso de o ilícito ter sido praticado em vários lugares, levar-se-á em conta o local onde ocorreu o último fato necessário para a caracterização da responsabilidade do lesante.
Em relação às obrigações convencionais (civis e comerciais) e as decorrentes de atos unilaterais, as mesmas se regerão a) quanto à forma ad probationem tantum (simplesmente para provar) e ad solemnitatem (para a solenidade) pela lei do local onde se originaram, ou seja, deve ser apreciada a forma da manifestação volitiva pelo direito vigente no local onde o ato for realizado. Importante ressaltar que essa norma somente vigorará no fórum que aceitar que o ato seja realizado no exterior, pela forma estabelecida no ius loci actusb) quanto à capacidade, pela lei pessoal das partes (art. 7º) que é a lei domiciliar, observando-se a ressalva em relação à ordem pública, uma vez que a lex fori não admitirá que produza efeito o ato que tiver conteúdo contrário à lei, à moral e ordem pública do país. Na hipótese de as partes estiverem domiciliadas em Estados diferentes, a capacidade de cada uma obedecerá à sua lei domiciliar35.
Necessária se faz a delimitação da norma que disciplina as condições intrínsecas dos atos jurídicos decorrentes da declaração de vontade, antes de analisar qual a lei competente para reger os efeitos das obrigações deles resultantes. Quando se tratar de ato unilateral, prevalecerá a lei pessoal do declarante, enquanto que nos atos bilaterais, como nos contratos, p. exemplo, existem cinco correntes doutrinárias: a) competência da lei pessoal dos contratantes, através da qual as declarações de vontade devem ser examinadas separadamente, cada uma de acordo com a lei do declarante (Frankenstein, Dreyfus, J. Aubry e Audinet); b) competência da lei do local da celebração negocial (Pillet e Neboyet); c) competência da lei que rege a relação constituída pelo ato jurídico (Machado Villela); d) competência da lei escolhida internacionalmente pelos contratantes para reger o acordo (proper law of the contractI ou applicable law dos ingleses) e e) competência da lex fori nos conflitos de lei que surjam entre o Brasil e os países signatários do Código Bustamante (art. 177) e a da lei do local da constituição da obrigação entre os demais Estados que não o ratificaram36.
Em se tratando da forma extrínseca do ato, é a locus regis actum, norma de direito internacional privado, que é aceita pelos juristas para indicar a lei aplicável. Através dessa norma, o ato, revestido de forma externa prevista pela lei do lugar e do tempo onde foi celebrado, será válido e poderá servir de como prova em qualquer local onde tiver que produzir efeitos.
Em se tratando de contratos internacionais, o princípio da autonomia da vontade não é acolhido como elemento de conexão para reger contratos na seara do direito internacional, preconizando a liberdade contratual dentro das limitações fixadas em lei, ou seja, a mesma só prevalecerá quando não for conflitante com norma imperativa ou ordem pública, ressaltando-se a previsão que a própria LICC faz em seu artigo 17 quando considera ineficaz qualquer ato que ofenda a ordem pública interna, a soberania nacional e os bons costumes. Isso não significa que o art. 9º afasta a autonomia da vontade, pois a manifestação da livre vontade dos contratantes é admitida pela LICC quando o for pela lei do contrato local, desde que observada a norma imperativa.
Nos casos em que a intenção do agente for de burlar a lei nacional, praticando negócio em país estrangeiro com o intuito de fugir às exigências da lei pátria, ou seja, tal ato não subsistirá, por tratar-se de fraude.
Obeservar-se-ão algumas exceções ao disposto no art. 9º da LICC, nas seguintes hipóteses37:
a) quando se tratar de contrato de trabalho, o mesmo deverá obedecer à lei do local da execução do serviço ou trabalho. O art. 6º da Convenção de Roma, de 1980, afirma que em se tratando de contrato individual de trabalho, a aplicação da lei escolhida não poderá privar o trabalhador da proteção que lhe for conferida pela lei: a) do país onde o trabalhador, ao executar o trabalho, habitualmente exerce seu ofício; b) do Estado em cujo território se encontra situada a empresa que contratou o empregado, que não realiza de modo habitual seu trabalho no mesmo país.
b) nas hipóteses dos contratos de transferência de tecnologia, pois nesses casos verificar-se-á competência absoluta do direito pátrio interno, em consonância com o art. 17 da LICC e com os princípios de direito internacional econômico defendidos pelo Brasil, por tratar-se de normas de ordem pública, garantindo interesses nacionais.
c) nos atos relativos à economia dirigida ou aos regimes de Bolsa e Mercados, que serão subordinados à lex loci solutionis (place of performance), filiando-se à lei do país de sua execução.
§ 1º. Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
De acordo com o disposto no § 1º do art. 9º da LICC, a obrigação contraída no exterior e executada no Brasil será observada segundo a lei brasileira, atendendo as peculiaridades da lei alienígena em relação à forma extrínseca.
Isto significa que a lei da constituição do local da obrigação mantém-se, pois admitidas serão suas peculiaridades, como a validade e a produção de seus efeitos, enquanto a lei brasileira será competente para disciplinar os atos e medidas necessárias para a execução da mesma em território nacional, tais como a tradição da coisa, forma de pagamento ou quitação, indenização nos casos de inadimplemento, etc.
Em relação aos contratos não exeqüíveis no Brasil, mas aqui acionáveis, não se aplicará o disposto no art. 9º, § 1º, da LICC, mas sim o locus regis actum, ou seja, a lei local é que regerá o ato.
§ 2º. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.
O lugar onde se tem por concluído o contrato é de fundamental importância para o direito internacional privado, já que através dele emanará qual a lei deverá ser aplicada para a disciplinar a relação contratual e também a apuração do foro competente.
O art. 9º, § 2º da LICC afirma que a obrigação resultante do contrato se constitui no lugar em que residir o proponente, sendo aplicável quando os contratantes estiverem em Estados diversos, enquanto que o art. 435 do Código Civil reputa celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.
Maria Helena Diniz38 afirma que o verbo “residir” significa “estabelecer morada” ou “achar-se em”, “estar”, e é nessa última acepção que vem sendo empregado o disposto no § 2º, do art. 9º da LICC, significando que o lugar em que residir o proponente seja o lugar onde estiver o proponente, afastando assim o critério domiciliar por entender que a adoção do elemento “residência” daria mais mobilidade aos negócios, já que não raro os mesmos se efetivam fora do domicílio dos contratantes.
Assim, de acordo com a LICC, a obrigação contratada entre ausentes será regida pela lei do país onde residir o proponente, não importando o momento ou local da celebração contratual, aplicando-se a lei do lugar onde foi feita a proposta. Em relação aos contratos entre presentes, no que diz respeito ao direito internacional, serão regidos pela lei do lugar em que foram contraídos, desconsiderando-se a nacionalidade, domicílio ou residência dos contratantes.
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
O art. 10 da LICC abrange tanto a sucessão causa mortis (seja ela legítima ou testamentária) como também a sucessão por ausência.
Perante a teoria da unidade sucessória, que é a adotada pela LICC, a sucessão causa mortis deverá ser regida pelo lei do domicílio do de cujus, desprezando-se a nacionalidade do autor da herança e a de seu sucessor e a natureza e a situação dos bens, unificando a jurisdição do último domicílio do de cujus para apreciação de todas as questões relativas à sucessão e, desta forma, simplificando as questões oriundas da mesma.
Mesmo nos casos em que o finado tiver mais de uma residência (CC, art. 71), competente será o foro onde o inventário foi requerido primeiro.
Maria Helena Diniz39, ao tratar sobre o tema, afirma que a lei do domicílio do de cujus, no momento de sua morte, determinará: a) a instituição e a substituição da pessoa sucessível; b) a ordem de vocação hereditária, quando se tratar de sucessão legítima; c) a medida dos direitos sucessórios dos herdeiros ou legatários, sejam eles nacionais ou estrangeiros; d) os limites da capacidade de testar; e) a existência e a proporção da legítima do herdeiro necessário; f) a causa da deserdação; g) a colação; h) a redução das disposições testamentárias; i) a partilha dos bens do acervo hereditário; j) o pagamento das dívidas do espólio.
O art. 10 da LICC não faz menção expressa à comoriência ou morte simultânea, e nesses casos, observar-se-ão as leis de domicílio de cada um dos finados relativas à sucessão, de acordo com o disposto no art. 29 do Código Bustamante que dispõe que nos casos de presunções de sobrevivência ou de morte simultânea, quando não houver prova, as mesmas serão reguladas pela lei pessoal de cada um dos falecidos em relação à sua respectiva sucessão. Desta forma, tendo os comorientes domicílios diversos, a sua sucessão será regida pela lei pessoal de cada um.
Nos casos de morte presumida ou ausência, a lei domiciliar do ausente será aplicada, seja qual for a natureza e a localização dos bens que compõem seu patrimônio, no que diz respeito às condições da declaração de ausência e seus efeitos e aos direitos eventuais do ausente (Código Bustamante, arts. 73-83). Sendo assim, não é possível que a pessoa seja declarada ausente por juiz brasileiro quando a mesma não tiver tido seu domicílio em nosso país, assim como não será possível proceder à sucessão provisória, processar inventário e partilha e declarar presunção de morte, nos casos de sucessão definitiva.
§ 1º. A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
Nos casos aventados pelo § 1º, em relação à sucessão de bens de estrangeiro situados no País, observa-se exceção à variação da ordem de vocação hereditária determinada pelo art. 1829 do Código Civil40, não se aplicando o princípio de que a existência de herdeiro de uma classe exclui da sucessão os herdeiros da classe subseqüente.
A própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXI, também prevê que “a sucessão de bens de estrangeiro situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal dode cujus”.
A exceção se dá em relação à possibilidade de alteração da ordem da vocação hereditária pois, nos casos em que, se tratando de bens existentes no Brasil, de propriedade de estrangeiro falecido e casado com brasileira ou com filhos brasileiros, é aplicada a lei nacional do de cujus quando for mais vantajosa aos sucessores do que a lei brasileira.
Assim, estará a sucessão sujeita à aplicação da lei brasileira quando: a) os bens estiverem no Brasil; b) houverem cônjuge ou filhos brasileiros, ou quem os represente e c) quando a lei pessoal do de cujus não lhes for mais favorável.
Importante lembrar que anteriormente vigorava no Brasil o instituto do usufruto vidual, que admitia, nos casos de casamento entre brasileiro com estrangeira, a sucessão no usufruto de cônjuge supérstite. Hoje admite-se a sucessão no direito real de habitação, de acordo com o art. 1.831 do CC, no imóvel destinado à residência, quando este for o único do gênero a ser inventariado, em qualquer dos regimes de bens e sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança.
§ 2º. A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.
A interpretação do § 2º, do art. 10 da LICC, deve ser feita com cuidado no que diz respeito à capacidade para suceder.
Maria Helena Diniz41, ao versar sobre o tema, ressalva que “se deve repelir toda e qualquer interpretação extensiva a esse dispositivo legal, devido à ambigüidade do termo ‘capacidade para suceder’”. De acordo com a autora, é necessário que se distinga: a) a capacidade para ter direito à sucessão, que se sujeita à lei do domicílio do auctor sucessionis; b) da capacidade de agir em relação aos direitos sucessórios, ou seja, que tem a ver com a aptidão para suceder, para aceitar ou para exercer direitos do sucessor, que se subordina à lei pessoal do herdeiro ou sucessível.
Assim, importante reconhecer que o § 2º do art. 10 da LICC diz respeito à capacidade de exercer o direito de suceder, que é reconhecido pela lei domiciliar do autor da herança e regido pela lei pessoal do sucessor, enquanto que a capacidade para suceder é disciplinada pela lei do domicílio do falecido.
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.
O artigo 11 da LICC impõe que a lei do Estado em que as pessoas jurídicas de direito privado se constituírem é que irá determinar as condições de sua existência ou do reconhecimento de sua personalidade jurídica, sendo o seu fórum competente para versar sobre sua criação, funcionamento e dissolução, pouco importando o lugar onde se dá o exercício de sua atividade.
A nacionalidade das pessoas jurídicas não é mencionada expressamente pela LICC, mas entende-se prevista implicitamente no art. 11 da LICC e expressamente nos arts. 1.126 a 1.141 do Código Civil, quando é determinada pela lei na qual tem sua origem, pelo princípiolocus regit actum.
§ 1º. Não poderão, entretanto. ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
O § 1º do art. 11 da LICC condiciona a abertura de filiais, agências ou estabelecimentos de pessoa jurídica estrangeira no Brasil à aprovação de seu estatuto social ou ato constitutivo pelo governo brasileiro, com o intuito de evitar fraudes à lei e fazendo com que a mesma se sujeite à lei brasileira, uma vez que adquirirá domicílio no Brasil (CC, arts. 1.134 a 1.141).
Não será necessária a autorização governamental nos casos em que a pessoa jurídica estrangeira não pretenda fixar no Brasil agência ou filial, pois obedecerá à lei do país de sua constituição, sendo possível exercer atividade no Brasil desde que não contrária à nossa ordem social.
A competência para decidir e praticar os atos de funcionamento no Brasil de organizações estrangeiras destinadas a fins de interesse coletivo, incluindo-se aqui alterações de estatuto e cassação de autorização de funcionamento, ficou delegada ao Ministro de Estado de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sendo vedada a subdelegação.
§ 2º. Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptiveis de desapropriação.
O § 2º do art. 11 da LICC versa sobre as restrições submetidas às pessoas jurídicas de direito público em relação à aquisição, gozo e exercício de direito real no território brasileiro.
Tal posição se justifica pelo entendimento que a ausência de tais restrições representariam um perigo à soberania nacional, através da possível ocorrência de problemas diplomáticos. Maria Helena Diniz, ao tratar do tema, afirma que “as pessoas jurídicas de direito público externo, serão, por lei, absolutamente incapazes para adquirir a posse e a propriedade de imóvel situado no Brasil ou de bens suscetíveis de desapropriação, como direitos autorais, patentes de invenção, direitos reais sobre coisa alheia de fruição, ações de sociedade anônima, etc”42.
Tal impedimento dar-se-á não somente via testamento, como também através de qualquer título, como compra e venda, doação, permuta, etc.
§ 3º. Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.
O § 3º do art. 11 da LICC trata de exceção ao disposto no parágrafo anterior quando permite que as pessoas jurídicas de direito público possam adquirir prédios para sede de representantes diplomáticos ou agentes consulares, assegurando o livre exercício de funções diplomáticas e de atividades consulares.
Assim, o direito de propriedade imobiliária de um Estado estrangeiro ficará restrito ao edifício de sua embaixada, consulado e legações, necessários à prestação de serviços diplomáticos, e aos prédio residenciais dos agentes consulares e diplomáticos, mesmo que neles não se encontre a chancelaria.
Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.
O art. 12 da LICC fixa a competência da autoridade judicial brasileira nos casos em que o réu, seja ele brasileiro ou estrangeiro, tenha domicílio no Brasil, podendo aqui ser intentada qualquer ação que lhes diga respeito. Nas hipóteses em que dois sejam réus e apenas um deles esteja aqui domiciliado, admite-se a competência do juiz que vier a tomar conhecimento da causa em primeiro lugar, de acordo com o princípio da prevenção.
Admite-se assim que o estrangeiro, aqui domiciliado ou não, possa comparecer, como autor ou réu, perante o tribunal brasileiro quando haja alguma controvérsia de seu interesse, desde que sua capacidade para estar em juízo obedeça à lex domicilii e com a ressalva dalex fori no que diz respeito a preceito de ordem pública (art. 7º da LICC).
Nos casos em que a obrigação for exeqüível no Brasil, competente será a autoridade brasileira, visto tratar-se de competência especial, prevalecendo sobre a competência do local onde a obrigação foi constituída e sobre a competência da lei domiciliar.
Alguns entendem que tal competência é obrigatória, enquanto parte da doutrina entende apenas que o seja em relação ao § 1º do art. 12, nas hipóteses de ações concernentes aos bens imóveis situados no Brasil, afirmando que o art. 12 da LICC c.c. os arts. 314 e 316 do Código Bustamante, contém norma supletiva, na medida que entende permitida a competência estrangeira nos casos em que o réu não for domiciliado no Brasil, se a obrigação não tiver que ser aqui executada e nos casos em que a ação não verse sobre imóveis situados no território brasileiro43.
§ 1º. Só à .autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações, relativas a imóveis situados no Brasil.
O § 1º do art. 12 da LICC diz respeito não só às ações reais imobiliárias mas sim a todas as ações que tratem de imóveis situados no Brasil e trata-se de norma compulsória, na medida que impõe a competência judiciária brasileira para processar e julgar ações que versem sobre imóveis situados no território brasileiro, competindo a nossa justiça fazer a qualificação do bem e a natureza da ação intentada.
Nas hipóteses de o imóvel estar localizado em países diversos, cada Estado será competente para julgar ação relativa à parcela do bem que se encontrar em seu território.
No que diz respeito às ações que versem sobre bens móveis, as mesmas deverão ser propostas no foro do domicílio do réu (CPC, art. 94) e quando tratarem sobre bens móveis que venham a se deslocar após proposta a demanda, será competente o foro do domicílio das partes no momento em que a ação foi proposta (CPC, art. 87).
§ 2º. A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.
A previsão do § 2º do art. 12 da LICC diz respeito ao cumprimento, pela autoridade judiciária brasileira, das cartas e comissões rogatórias com a finalidade de investigação, e das diligências deprecadas pelas autoridades locais competentes, satisfazendo o que lhes foi requerido pela autoridade estrangeira.
As cartas rogatórias são pedidos feitos pelo juiz de um país ao de outro solicitando a prática de atos processuais, sem caráter executório, e subordinam-se à lei do país rogante, no que tange ao conteúdo ou matéria de que são objeto e, em relação ao procedimento, são disciplinadas conforme a lei do país do rogado. As diligências de caráter executório, como por exemplo arresto e seqüestro, não poderão ser objeto de carta rogatória (RTJ, 72:659, 93:517 e 103:536).
Mesmo se referindo apenas à competência em sentido estrito, poderá o juiz levantar o conflito de jurisdição a ser decidido na forma da lei brasileira, pois o próprio art. 17 da LICC impede o cumprimento de rogatória quando a mesma for ofensiva à ordem pública e aos bons costumes, já que os atos processuais estão sujeitos à lex fori, sendo inadmitidos os que atentem contra a legislação brasileira.
A carta rogatória é remetida através da via diplomática e ao Procurador-Geral da República é dado vista da mesma para que possa impugná-la nos casos de contrariedade da ordem pública, soberania nacional ou falta de autenticidade. Uma vez concedido o exequatur ou “cumpra-se”, a rogatória é enviada ao juiz da comarca onde deverá ser cumprida a diligência, observado o direito estrangeiro quanto ao seu objeto. Tendo sido cumprida, a rogatória é devolvida à justiça rogante através do Ministério da Justiça.
No que diz respeito ao tema, Maria Helena Diniz afirma que o exequatur ou sua denegação não produzirão coisa julgada formal, motivo pelo qual os pedidos poderão ser renovados e as concessões revogadas quando se perceber, por exemplo, que para processar e julgar a causa, apenas a justiça brasileira é competente, pois o juiz rogado poderá resolver sobre sua própria competência ratione materiae para o ato que se lhe atribui (Código Bustamante, art. 390)44.
Tendo sido concedido o exequatur à carta rogatória, não será necessária a homologação da sentença que vier a ser prolatada por autoridade estrangeira no mesmo processo.
Sendo indispensável para o encerramento da instrução, a carta rogatória deverá ser devolvida, quando requerida antes do despacho saneador, suspendendo o processo até que seja devolvida. Nas outras hipóteses não terá efeito suspensivo, podendo ser pronunciada decisão sem a devolução da carta devidamente cumprida.
Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.
O art. 13 da LICC diz respeito à prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro, preconizando que a mesma será regida pela lei do lugar onde ocorrer (lex loci), enquanto que o ônus e meio de produzi-la serão regidos pela lex fori, não sendo admitida, no curso da ação, qualquer prova não autorizada pela lei do juiz, sob pena de contrariar o sistema da territorialidade da disciplina do processo.
No que diz respeito à apreciação das provas, a mesma dependerá da lei do juiz (Código Bustamente, art. 401), devendo o mesmo basear-se nas prescrições legais de seu país, averiguando:
a) a ilicitude do ato ou contrato;
b) a capacidade das pessoas que se obrigaram;
c) a observância das formas extrínsecas ou solenidades requeridas pela lei do lugar da celebração do ato (locus regit actum);
d) autenticidade do documento, que deverá estar traduzido no idioma usado no país da lex fori e legalizado pelo cônsul.
Importante ressaltar que mesmo o modo de produção de provas sendo de competência dalex fori, não pode-se em hipótese alguma, permitir quaisquer meios probatórios não autorizados pela lei do órgão judicante, ou seja, a prova do fato ocorrido no estrangeiro deve ser produzida por meio conhecido do direito pátrio, caso contrário não será aplicável por juiz local.
Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.
Estando o magistrado diante de um caso de direito internacional privado, o mesmo deverá decidir se é aplicável o direito brasileiro ou o estrangeiro, e, verificando a inaplicabilidade da norma brasileira, determinará qual a legislação estrangeira aplicável àquele caso concreto. A aplicação da lei estrangeira pelo juiz pode ser dar ex officio, quando dela tenha conhecimento e mesmo sendo esta contra a vontade das partes.
Nos casos em que desconhecer a norma estrangeira, já que não é obrigado a conhecê-la e nem tem o dever de prová-la, é permitido ao juiz, pelo art. 14 da LICC, reclamar a prova do direito estrangeiro de quem a alega, tendo o juiz o dever de inteirar-se das normas mesmo quando não fornecida pelas partes.
Maria Helena Diniz, ao discorrer sobre o tema, dispõe que, a observância do direito estrangeiro, seja ex officio pelo juiz ou quando invocado pela parte litigante, poderá se dar das seguintes formas: a) o magistrado deverá aplicar a lei estrangeira, mesmo sem alegação e prova da parte interessada, sempre que o direito privado (lex fori) julgar competente aquela lei; b) se o juiz não conhecer o direito estrangeiro poderá exigir prova da parte a quem aproveita (CPC, art. 337); c) o interessado, sem a provocação do juiz, poderá alegar a lei que lhe é aplicável, propondo-se a provar sua sua existência e conteúdo e d) o órgão judicante poderá de ofício investigar a norma estrangeira alegada pela parte, se a prova apresentada não o convencer, não estando o mesmo adstrito às afirmações ou provas produzidas por ela.
Nos casos em que, mesmo tomando todas as providências necessárias, seja impossível determinar com segurança qual o direito alienígena deva ser aplicado, os juristas têm apontado algumas soluções, como: a) a conversão do julgamento em diligência; b) o julgamento do litígio contra a parte que alegou o direito estrangeiro e não demonstrou o mesmo; c) a aplicação do ius communis vigente no fórum, na falta de prova concludente do direito alienígena; d) rejeição da demanda fundada em tal lei, julgando a ação improcedentes; e) a decisão conforme a norma provavelmente em vigor no país em que se cogita e f) julgamento de acordo com os princípios gerais de direito, ou seja, com um direito comum a que a norma alienígena se coaduna45.
Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que ,foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.
Parágrafo único. Não dependem de homologação as sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas.
A sentença de mérito proferida no estrangeiro é destituída tanto de obrigatoriedade quanto de força executória na jurisdição de outro país, em virtude da independência das jurisdições.
O art. 15 da LICC versa justamente sobre a hipótese em que sentença estrangeira deva ser executada no Brasil, já que tal sentença, para ser aqui executada, necessita da aprovação do nosso órgão judiciário, constituindo o exequatur. O exequatur é o processo através do qual a jurisdição local aceitará a sentença como produto de um tribunal, mas indicará se ela poderá ou não ser aqui executada, submetendo-a a exame preliminar.
O critério utilizado adotado no Brasil em relação ao problema da eficácia jurídica e da força executiva da sentença estrangeira é o do juízo de delibação. O juízo de delibação é uma modalidade de exequatur, através do qual se reconhece a eficácia da sentença estrangeira para ser executada no território do Estado ou para atender aos direitos adquiridos dela recorrentes, constituíndo um prévio juízo, sem apreciação do mérito, limitado ao exame de requisitos extrínsecos (competência, regularidade da citação e respeito à ordem pública nacional) e da competência da autoridade prolatora da sentença. O processo de exequaturnão admite a apresentação de novo pedido que não tenha sido apreciado pelo juiz estrangeiro, cabendo ao juiz do exequatur somente a concessão ou a recusa da homologação, sem poder alterar o julgamento feito no exterior.
A execução de sentença estrangeira no juízo brasileiro somente se dará quando presentes determinados requisitos externos e internos.
Os requisitos externos são que a sentença seja formalmente válida em sua jurisdição de origem, que esteja traduzida na língua portuguesa por tradutor juramentado ou intérprete autorizado e que seja autenticada pelo cônsul brasileiro (Súmula 259 do STF), exceto se tiver sido requisitada por via diplomática. Os requisitos internos para que a sentença alienígena seja executada em nosso país são os seguintes: que tenha sido prolatada por juiz competente; citação válida das partes ou verificada sua revelia, de acordo com a lei do local onde tenha sido prolatada a decisão; trânsito em julgado da sentença proferida no estrangeiro (Súmula 420 do STF); sentença não contrária à ordem pública, soberania nacional e aos bons costumes e que tenha sido previamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a EC 45/2004 e com o art. 483, parágrafo único, do Código de Processo Civil, com ouvida das partes e do Procurador-Geral da República.
No que tange à sentença estrangeira meramente declaratória de estado de pessoa, a homologação é dispensada, em função de que este tipo de sentença independe de execução, pois por si só representa documento idôneo para determinar uma qualidade ou um fato, tendo mera eficácia documental.
Clóvis Bevilacqua, ao tratar do tema, ressalva que “Se, entretanto, a sentença sobre o estado envolve relações patrimoniais, a homologação é necessária, porque será o título executivo, que o indivíduo apresentará, invocando a coação do poder público, afim de lhe serem assegurados os direitos, que a sentença declara lhe pertencerem”46.
Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
As normas de direito internacional privado, vigentes nos diferentes Estados, não são uniformes a respeito dos critérios normativos, motivo pelo qual se justificam os conflitos entre as próprias normas de direito internacional privado.
O artigo 16 da LICC busca, através da corrente da referência ao direito material estrangeirosolucionar tais conflitos, pela qual a norma de direito internacional privado remete o aplicador para reger dada relação jurídica ao direito substancial alienígena, qualificador do fato sub judice, e não ao direito internacional privado estrangeiro. Essa teoria preconiza que o juiz atenda somente à norma de direito internacional privado de seu país, sem se preocupar com a de outro Estado, seja ela idêntica ou não47.
Ao tratar sobre o tema, Maria Helena Diniz afirma que “o princípio adotado pelo art. 16 é o de que a remissão feita pela norma brasileira de direito internacional privado a direito estrangeiro importará em remissão às disposições materiais substanciais do ordenamento jurídico estrangeiro (sachnormweisung) e não ao ordenamento jurídico em sua totalidade, inclusive às normas alienígenas de direito internacional privado (gesamtverweisung)”.
Assim, afirma ainda a autora, o art. 16 da LICC admite tão-somente a aplicação de norma substancial brasileira aplicável ao caso vertente, por ordem da norma de direito internacional privado do fórum e na da norma de direito internacional alienígena, já que as únicas normas sobre conflito normativo que poderão ser levadas em conta, para a resolução de um dado fato interjurisdicional, serão as do fórum e não as de outro Estado48.
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
O art. 17 trata da ineficácia das leis estrangeiras no Brasil quando as mesmas forem contrarias à soberania nacional, à ordem pública ou aos bons costumes, submetendo a eficácia dos atos alienígenas aos princípios descritos acima.
É sabido que o juiz é obrigado a aplicar a lei estrangeira no caso concreto quando o impuser a norma de direito internacional privado. O art. 17 da LICC confere ao magistrado o poder-dever de afastá-la quando a mesma contrariar a soberania nacional, ordem pública e os bons costumes, visto que os mesmos constituem limites que visam a assegurar a ordem social.
Na prática, a análise da aplicação ou não da lei estrangeira dar-se-á no momento em que o órgão judicante apreciará o caso concreto, averiguando se sua aplicação não será contrária aos nossos princípios de organização política, jurídica e social.
Assim, através deste artigo, observa-se uma restrição ou limitação à aplicação de lei estrangeira no Brasil pois, quando contrária à nossa ordem social, mesmo quando regularmente aplicável a certo caso, terá sua competência normal afastada, acarretando a aplicação da lex fori.
Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado.
O artigo 18 da LICC versa sobre a competência consular brasileira para redigir atos notariais em Estado alienígena, possibilitando aos brasileiros que estejam no exterior, domiciliados ou não no Brasil, possam se dirigir aos representantes consulares do Brasil para requererem a lavratura de atos de competência normal de juiz de casamento, de tabelião ou oficial do registro civil, de acordo com sua lei nacional, que é a brasileira.
Importante ressaltar que os atos consulares constituem exceção ao princípio locus regit actum, já que os cônsules, no exercício de seus cargos no exterior, devem seguir as formalidades prescritas em sua lei nacional, e não as do país onde estão a serviço do Brasil.
No que diz respeito ao casamento, o art. 18 da LICC, com a alteração do art. 3º da Lei nº 3.238/57, permite que o mesmo seja celebrado no exterior perante cônsul brasileiro, ressaltando que ambos os nubentes devam ser brasileiros, já que no direito brasileiro exige-se a vinculação da nacionalidade dos contraentes à autoridade consular. Ou seja, quando os nubentes tiverem nacionalidades diversas, a cerimônia somente poderá ser realizada perante a autoridade local, não tendo o cônsul brasileiro competência para celebrá-la, não podendo fazê-lo quando apenas um dos cônjuges for brasileiro e o outro for estrangeiro ou apátrida.
Após a celebração do casamento pelo cônsul, é necessário o registro do mesmo no livro competente, no prazo de 180 dias contados da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no Cartório do respectivo domicílio ou, na falta deste, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir, expedindo a certidão do casamento. Se porventura o prazo de 180 dias não for cumprido, o casamento não é invalidado, mas nova habilitação será necessária para retomar a possibilidade do registro49.
No caso de a lei do país em cujo território se realizou o casamento de brasileiros não reconhecer o casamento consular, o mesmo terá validade no Brasil50.
Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais.
Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei.
O art. 19 da LICC versa sobre a validade do casamento celebrado por cônsul brasileiro no estrangeiro, de nubentes de nacionalidade brasileira, mesmo que não sejam domiciliados no Brasil, ou seja, validando também as núpcias de brasileiros domiciliados no exterior.
O parágrafo único do artigo 19 determina um prazo de noventa dias para que se renove o pedido para a celebração do casamento quando a autoridade consular se recusar a celebrá-lo com fundamento no disposto no art. 18 da LICC.
Oscar Tenório51 entende que o simples pedido de reconsideração no processo de habilitação, quando fundamentado legalmente, já obrigaria o cônsul a celebrar as núpcias, deixando de lado a exigência do domicílio no Brasil.
Assim, observa Maria Helena Diniz que a Lei nº 3.238/57 veio a alterar os arts. 7º, § 2º, e 18 da LICC, eliminando a exigência do domicílio e considerando apenas o elemento de conexão “nacionalidade”, motivo pelo qual brasileiros, domiciliados ou não no Brasil, poderão contrair núpcias no exterior perante autoridade consular brasileira52.
Notas de Rodapé
1 Raó, Vicente. O Direito e a vida do direito. São Paulo: Max Limonad, v.1, p.240-2 e 373-4.
2 Ferrara. Trattato di diritto civile italiano. Roma, p. 116-7, v.1, 1921.
3 Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, Rio de Janeiro, 1934, p. 60-1.
4 Diniz, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 67-8.
5 Gèny. Método de interpretación y fuentes en el derecho privado. 2.ed. Madri: Reus, p.250; Capitant. Introduction à l’étude du droit civil, 1929, p.82-3; Limongi França. Instituições de direito civil, São Paulo: Saraiva, 1988, p.23; Ráo, Vicente. O Direito. cit., v.1, p. 385-6; Cavalcanti Filho, Teophilo. Ab-rogação da lei por si mesma in Enciclopédia Saraiva do Direito, v.1, p. 481-2.
6 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.68; Ferrara. Trattato, cit., p. 189-91; Batalha, Wilson de S. Campos Batalha. Lei de Introdução ao Código Civil, São Paulo: Max Limonad, v.1, p.118-9;
7 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.87-8.
8 Coviello. Manuale di diritto civile italiano; parte generale, 1924, v.1, p.45.
9 Ob. cit., p. 93.
10 Ferraz Júnior, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, São Paulo: Atlas, p.210 e 290.
11 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.145.
12 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.171.
13 Ferraz Júnior, Tércio Sampaio. Introdução, cit., p.265.
14 Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil; parte geral. São Paulo: Saraiva, 1967, v.1, p.43; Bevilácqua, Clóvis. Teoria geral do direito, 4.ed. Ministério da Justiça, 1942, p.59.
15 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.173.
16 Maximiliano, Carlos. Direito Intertemporal, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1946. Videtambém Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.191-2.
17 Diniz, Maria Helena. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v.22, p.163-184.
18RSTJ, v.7, 1991.
19 Porchat, Reynaldo. Da retroatividade das leis civis, São Paulo, 1909, p.22.
20 Ferraz Júnior, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, cit., p.226-7; Diniz, Maria Helena. Lei de Introdução.., cit., p.196.
21 Carvalho Santos, Código Civil. cit., v.1, p.54.
22 Ferraz Júnior, Tércio Sampaio. Ob. cit., p.226.
23Revista de Direito 69:117; Revista de Crítica Judiciária, 15:393.
24 Código Bustamante, art. 41, reza que se terá : “... em toda parte como válido, quanto à forma, o matrimônio celebrado na que estabeleça como eficazes as leis do país em que se efetua. Contudo, os Estados, cuja legislação exigir uma cerimônia religiosa, poderão negar validade aos matrimônios contraídos por seus nacionais no estrangeiro sem a observância dessa formalidade”.
25 Kahn. Die dritte Haager Staaten Konferenz, in Zeitschrift für internationals Privat-und öffentliches Recht, 1902, v.2, p.421.
26 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.253-4.
27 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.255.
28 Wolff. Private International Law, p.293-333; Castro, Amílcar. Direito Internacional Privado, Rio de Janeiro: Forense, 1968, v.2, p.85 e s.
29 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p. 262.
30 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p. 263.
31 Monteiro, Washington de Barros. Curso, cit., v.2, p.30.
32 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p. 266.
33 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p. 290.
34 Pillet; Neboyet. Manuel de droit international privé, 1924, p.471.
35 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.296.
36 Idem.
37 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.302-3.
38 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.307.
39 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.312.
40 “Art. 1.829, do CC: a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos descendentes, em concordância com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais”.
41 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.318.
42 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.347.
43 Espínola; Espínola Filho. Lei de Introdução ao Código Civil comentada, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943, v.3, p. 274-304; Castro, Amílcar de. Direito Internacional Privado, v.2, p.226; Andrade, Agenor P. de. Manual de direito internacional privado, São Paulo, 1987, p.321-3; Tenório, Oscar. Direito internacional privado, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v.2, p.356; Ráo, Vicente. O direito, v.1, p.530; Batalha, Wilson de S. Campos. Tratado, p.367 e 386; Cavaglieri, Arrigo. Lezioni di diritto internazionale privato, Napoli, 1933, p.365 e s. e 374 e s.; RT577:152; RTJ, 45:317.
44 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.363.
45 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p. 374 e 378.
46 Bevilacqua, Clóvis apud Batalha, Wilson. Tratado de direito internacional privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, cit., p. 462.
47 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p. 417-18.
48 Idem, p. 421-23.
49 Russo, José. Casamento perante autoridade consular. Revista Brasileira de Direito de Família23:55 a 65.
50 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p. 442.
51 Tenório, Oscar. Direito Internacional Privado, cit., v.2, p. 69-70.
52 Diniz, Maria Helena. Ob. cit., p.445.

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