quarta-feira, 25 de junho de 2014

DISTINÇÃO ENTRE COISA E BEM - DIREITO CIVIL

      O CC/16, em sua parte geral, quando se referia ao objeto das relações jurídicas, referenciava não os bens, mas as coisas. E, por conseguinte, na parte especial, tratava do direito das coisas, não o direito dos bens.

Por seu turno, o CC/02, na parte geral, a partir do art. 79 ao 103, não se refere mais a coisa, refere-se a bem, ou bens jurídicos; permanecendo, em sua parte especial, mais especificamente no Livro III, a tratar do direito das coisas.

Tal fato fomenta uma antiga discussão doutrinária quanto à distinção entre bem e coisa.

Uma das correntes doutrinárias, provavelmente inspiradora do CC/16, e ainda defendida por Maria Helena Diniz, assevera que coisa é tudo aquilo que se encontra no universo, exceto as pessoas, ou seja, tudo o que não for pessoa, é coisa. Então, dentro deste gênero “coisa” estariam os bens. E o que seriam os bens? Os bens seriam as coisas que poderiam ser objeto de apropriação pelo homem, sendo, portanto, objeto de direito por parte das pessoas. De tal sorte, por exemplo, uma estrela seria uma coisa, mas não seria um bem, pois não é passível de apropriação. Então, coisa seria um gênero do qual o bem seria uma espécie.

Já uma segunda corrente, que tem como adepto Caio Mário, entre outros autores, entende que bem é um gênero que abrange tudo aquilo – num sentido bem amplo – que agrada ao homem, desde um odor agradável, uma música, um prato de comida, tudo seria bem. Os bens jurídicos, por sua vez, seriam aqueles que poderiam ser objeto de direito e seriam objetos das relações jurídicas. Assim, os bens seriam corpóreos ou incorpóreos. Os corpóreos seriam aqueles que têm existência material, concreta, que podem ser percebidos por um dos sentidos humano. Por sua vez, os bens incorpóreos seriam aqueles que não possuem existência material, como, por exemplo, os direitos. Alguma parte da doutrina trás ainda os bens semi-corpóreos, a exemplo dos gazes que não se pode tatear. Assim, tem-se o bem como gênero sendo, aqueles passíveis de uma relação jurídica, classificados em corpóreos e incorpóreos, De tal forma, a coisa corresponde ao bem corpóreo.

Outros autores há que não fazem diferença entre coisa e bem. Para estes, coisa e bem são sinônimos.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

ASSISTÊNCIA ANÓDINA ou ANÔMALA

Não nasceram no regime democrático brasileiro, ou seja, foram criadas na vigência do regime militar para permitir que a União, na época, pudesse intervir em processos que envolvessem o seu interesse financeiro e econômico, ou que tivessem interesse político.

Tal modalidade de assistência não fora recepcionada pela CRFB/88.

O corre que, com o advento da norma 9.469/97, em seu art. 5º, onde há duas determinações distintas, quais sejam, a do caput e a do parágrafo único, vemos as seguintes situações:

Lei 9.469/97, art. 5º, caput – a União poderá intervir, com base em interesse econômico, em qualquer processo que tenha como parte autarquia federal, empresa pública federal, sociedade de economia mista federal e fundações públicas federais. Isso se fundamenta pelo reflexo financeiro que a União sofrerá com o resultado do processo referente.

Lei 9.469/97, art. 5º, parágrafo único – toda pessoa jurídica de direito público (União, autarquias e fundações públicas) poderá intervir em qualquer processo em que comprovarem interesse econômico.

Tais situações são consideradas anômalas, pois não exigem interesse jurídico do assistente como o processo civil exige. Ao contrário, exigem um interesse econômico. Esse interesse econômico, exigido, imposto, diferenciará um pouco a atuação do assistente no processo. Por quê? Primeiro ponto: esse assistente anódino, ou anômalo, em regra, terá duas atuações possíveis no processo civil. Poderá juntar documentos e poderá apresentar manifestações, como se assistente simples fosse. Agora, suponhamos que o Banco do Brasil tenha uma demanda contra Tício. Trata-se de uma demanda da competência da justiça comum, estadual. No caso, sendo o Banco do Brasil uma sociedade de economia mista federal, pelas regras do art. 5º , caput, da Lei 9.469/97, a União, possuindo interesse econômico no processo, decide intervir no feito como assistente anódino, ou anômalo. No caso, a União ingressará no processo e terá duas atitudes a tomar possíveis: apresentar documentos e manifestações. Em tais situações, a União não será considerada uma parte típica do processo civil, pois, para tanto, necessitaria de interesse jurídico, e, no caso, só há interesse econômico. Nesse caso, como a União não irá configurar parte típica do processo covil, esta demanda não terá a União como parte, mas sim como assistente anódina/anômala. Como não é parte, não haverá o deslocamento de competência para a justiça federal.

Entretanto, segundo a lei, a União e as pessoas jurídicas de direito público têm a faculdade de, em meio ao tramite do processo, apresentarem recurso. Ocorre que, no momento em que a União ou as pessoas jurídicas de direito público apresentam recurso no processo em que atuam como assistentes anódino/anômalo, sendo esse recurso conhecido, passam a ser partes no processo e, por consequência, a competência do feito será deslocada para a justiça federal. Nunca mais o processo retorna para a justiça estadual.



sexta-feira, 6 de junho de 2014

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO PROCESSO CIVIL

A intervenção de terceiros ocorre quando alguém é trazido aos autos por uma das partes do processo ou ingressa voluntariamente nos autos durante o tramite do feito, e passa – esse indivíduo que entra nos autos no decorrer da marcha processual – a ser parte. Veremos os efeitos que esse indivíduo sofrerá em seu patrimônio e no âmbito do processo.

Vejamos, então, detidamente, cada uma das espécies de intervenção de terceiros:

a) ASSISTÊNCIA;
b) OPOSIÇÃO;
c) NOMEAÇÃO À AUTORIA;
d) DENUNCIAÇÃO DA LIDE; e
e) CHAMAMENTO AO PROCESSO. 

1    a) ASSISTÊNCIA:
Está prevista no art. 50 e seguintes do CPC.

Veremos, num primeiro momento, as regras gerais sobre assistência; e, num segundo momento, faremos um paralelo entre as duas espécies de assistência existentes, a simples e a litisconsorcial.

Para começar, vamos entender como se configuram todas as espécies de assistência no processo civil.

O futuro assistente é aquele que está fora do processo, mas tem interesse jurídico no resultado deste; ou seja, ele detém uma relação jurídica de direito material com uma das partes – com o autor ou com o réu - que poderá vir a ser alterada/modificada com a decisão final.

Exemplificando, suponhamos que autor (Mévio) e réu (Caio) discutem determinada questão onde o veículo deste é tido por garantia. Ocorre que Tício tem um pré-contrato de compra e venda do referido veículo com o Caio; logo, possui uma relação jurídica de direito material com este. Nesse caso, Tício, que até o momento não faz parte do processo, possui interesse jurídico no seu resultado uma vez que este poderá alterar/modificar sua relação jurídica de direito material com Caio. Quer dizer, se Caio (réu) perde o veículo para Mévio (autor), Tício ficará a “ver navios”.

A assistência possibilita que o indivíduo, comprovando que possui interesse jurídico, ingresse nos autos processuais a qualquer tempo. O STF afirmou, no início de 2013, que o assistente pode ingressar nos autos a qualquer tempo, desde que tenha viabilidade de atuação no processo. Desse modo, se já houve apresentação de razões recursais, se só falta o julgamento final de última instância no Supremo, não há porque acolher o ingresso de um assistente nos autos, pois este não terá mais o que fazer no processo.

Assim, havendo o ingresso do assistente no processo a qualquer tempo, este o receberá no estado em que se encontra. Isto quer dizer que o referido assistente não terá prerrogativas de que atos e momentos processuais sejam repetidos, ou seja, tudo que já tiver sido feito nos autos até o momento será mantido, havendo participação do assistente apenas deste ponto em diante.

Ressalta-se que o assistente vem ao processo por sua livre e espontânea vontade, não porque tenha sido trazido.

Vamos, então, entender as duas modalidades existentes de assistência: simples e litisconsorcial.

O assistente simples tem um interesse jurídico não qualificado pelo resultado do processo em seu patrimônio. Exemplificando, no caso onde Tício tem um pré-contrato de compra e venda de um veículo com Caio que, por sua vez, como réu em uma ação movida por Mévio, perde o referido bem, temos claro o seu interesse jurídico (de Tício) no resultado dessa demanda, pois existe uma relação jurídica de direito material com o réu Caio que pode ser alterada/modificada ao final do processo.

Pergunta-se: Tício, com o resultado do referido processo (perda do veículo de Caio para Mévio), irá perder patrimônio pessoal, dinheiro, bem? Não! Não há reflexo em seu patrimônio. Tão somente haverá uma modificação do interesse de Tício que, antes, pretendia adquirir o veículo e, agora, pretende ser ressarcido do montante adiantado em razão do contrato de compra e venda do veículo, pré-existente, celebrado com o réu Caio.

Em suma, se Tício adiantou um dinheiro para a compra de um veículo de Caio e Caio, por sua vez, perde o veículo, Tício, agora, passa a ter seu pleito alterado; ou seja, não pleiteará mais o veículo, mas a restituição do valor adiantado. Seu patrimônio não foi atingido.

No caso de assistência litisconsorcial há a possibilidade de perda patrimonial com a coisa julgada. Imagine que Tício e Caio sejam proprietários de um imóvel em condomínio. Se Caio, acionado na justiça por Mévio, perde o referido imóvel com o resultado final da demanda, Tício também o perderá.

Assim temos:

ASSISTÊNCIA SIMPLES
ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL
O assistente tem interesse jurídico SEM resultado patrimonial
O assistente tem interesse jurídico QUALIFICADO PELO RESULTADO DO PROCESSO, ou seja, COM resultado patrimonial
O assistente NÃO sofre com o efeito da coisa julgada (coisa julgada não lhe tira patrimônio, casa, imóvel, dinheiro, direitos...)
O assistente SOFRE com o efeito da coisa julgada (coisa julgada LHE TIRA PATRIMÔNIO)
A única consequência do processo na vida do assistente é a PRECLUSÃO FÁTICA (os fatos discutidos neste processo em que está atuando, intervindo, não poderão ser rediscutidos em um novo processo)

O assistente é MERO AUXILIAR da parte principal (SÓ poderá fazer 2 coisas: juntar documentos e apresentar manifestações) – não pode recorrer, discordar da parte que está assistindo.
O assistente POSSUI ATUAÇÃO PLENA
(é verdadeiro litisconsorte)
O assistente NÃO PODE EVITAR: a) desistência da parte principal; b) reconhecimento da parte principal; etc. Fica adstrito à vontade da parte principal.
EXCEÇÃO - única situação em que o assistente terá as rédeas do processo em suas mãos: quando o assistido for revel. Assistente será GESTOR DE NEGÓCIO do assistido, no caso, com plenos poderes de recorrer, atuar no processo, etc.



CASOS DE ASSISTÊNCIAS ANÓDINAS ou ANÔMALAS: não nasceram no regime democrático brasileiro, ou seja, foram criadas na vigência do regime militar para permitir que a União, na época, pudesse intervir em processos que envolvessem o seu interesse financeiro e econômico, ou que tivessem interesse político.

Tal modalidade de assistência não fora recepcionada pela CRFB/88.

O corre que, com o advento da norma 9.469/97, em seu art. 5º, onde há duas determinações distintas, quais sejam, a do caput e a do parágrafo único, vemos as seguintes situações:

Lei 9.469/97, art. 5º, caput – a União poderá intervir, com base em interesse econômico, em qualquer processo que tenha como parte autarquia federal, empresa pública federal, sociedade de economia mista federal e fundações públicas federais. Isso se fundamenta pelo reflexo financeiro que a União sofrerá com o resultado do processo referente.

Lei 9.469/97, art. 5º, parágrafo único – toda pessoa jurídica de direito público (União, autarquias e fundações públicas) poderá intervir em qualquer processo em que comprovarem interesse econômico.

Tais situações são consideradas anômalas, pois não exigem interesse jurídico do assistente como o processo civil exige. Ao contrário, exigem um interesse econômico. Esse interesse econômico, exigido, imposto, diferenciará um pouco a atuação do assistente no processo. Por quê? Primeiro ponto: esse assistente anódino, ou anômalo, em regra, terá duas atuações possíveis no processo civil. Poderá juntar documentos e poderá apresentar manifestações, como se assistente simples fosse. Agora, suponhamos que o Banco do Brasil tenha uma demanda contra Tício. Trata-se de uma demanda da competência da justiça comum, estadual. No caso, sendo o Banco do Brasil uma sociedade de economia mista federal, pelas regras do art. 5º , caput, da Lei 9.469/97, a União, possuindo interesse econômico no processo, decide intervir no feito como assistente anódino, ou anômalo. No caso, a União ingressará no processo e terá duas atitudes a tomar possíveis: apresentar documentos e manifestações. Em tais situações, a União não será considerada uma parte típica do processo civil, pois, para tanto, necessitaria de interesse jurídico, e, no caso, só há interesse econômico. Nesse caso, como a União não irá configurar parte típica do processo covil, esta demanda não terá a União como parte, mas sim como assistente anódina/anômala. Como não é parte, não haverá o deslocamento de competência para a justiça federal.

Entretanto, segundo a lei, a União e as pessoas jurídicas de direito público têm a faculdade de, em meio ao tramite do processo, apresentarem recurso. Ocorre que, no momento em que a União ou as pessoas jurídicas de direito público apresentam recurso no processo em que atuam como assistentes anódino/anômalo, sendo esse recurso conhecido, passam a ser partes no processo e, por consequência, a competência do feito será deslocada para a justiça federal. Nunca mais o processo retorna para a justiça estadual.

      b) OPOSIÇÃO
O terceiro, no caso, é o opoente, e ele irá ingressar nos autos do processo pretendendo o bem jurídico que é discutido pelas partes litigantes alegando ser seu o direito sobre a coisa, total ou parcialmente. Exemplificando, Tício discute com Caio, em juízo, a propriedade do veículo “X”. Mévio fica sabendo e ingressa no feito como opoente alegando que o veículo “X”, na verdade, pertence a ele.

Como se dá o ingresso do opoente nos autos? Por meio de uma petição inicial, nos autos do processo em trâmite, em que o autor pede a citação das partes originais para contestarem seu ingresso.

Questões relevantes:

O opoente só poderá ingressar nos autos até a sentença. Se já houver sentença no processo civil, o opoente não poderá intervir no feito.

Contudo, mesmo ingressando antes da sentença, há dois momentos distintos com efeitos também diferentes. Caso ocorra antes da audiência de instrução e julgamento, ação e oposição serão instruídas juntas e haverá uma sentença única ao final para ambas, sendo que nessa sentença, primeiramente será resolvida a oposição e, posteriormente, a ação. Se, entretanto, o ingresso se der após a AIJ, surge um problema: a ação principal estará instruída normalmente, mas a oposição não. Nesse caso, o CPC autoriza uma “suspensão imprópria” do processo. E o que é isso? Será suspensa uma parte do processo, que é a ação. Esta ficará suspensa por até 90 dias, e a oposição, durante esse período, terá que ser instruída. Sendo instruída a oposição, encerrado o prazo de suspensão, haverá uma sentença única, primeiramente resolvendo a oposição e, posteriormente, a ação. Caso a oposição não seja instruída no prazo de 90 dias, haverá a cisão do processo. A ação segue seu rumo e a oposição fica como se fosse um processo autônomo.

1    c) NOMEAÇÃO À AUTORIA
Trata-se de uma técnica de correção do polo passivo, pois permite que, diante de uma demanda com polo processual passivo ilegítimo, haja a reparação desse erro com a indicação do legítimo demandado por aquele que ocupa ilegitimamente o referido polo. De tal modo, não se vislumbra uma intervenção de terceiros típica, tradicional.

Duas situações irão configurar a nomeação no código. A primeira ocorre no art. 62 do CPC, e ocorre pela figura do “detentor”. Já a segunda, está prevista no art. 63 do CPC, e trás a hipótese de quem atua por ordem de terceiro, ou seja, o indivíduo eventualmente causa um dano a alguém por ter agido em cumprimento à ordem de um terceiro. Nesse caso, o indivíduo sai do polo passivo e aquele de quem emanou a ordem assume seu lugar respondendo, com seu patrimônio, pelo dano causado. Ocorre que, quanto a esta segunda situação do art. 63 do CPC, o Código Civil atual resta incompatível, pois este afirma que as pessoas responsáveis responderão pelos danos causados a terceiros no limite de suas responsabilidades. Assim, a jurisprudência, acolhendo o Código Civil atual, sujeita que o indivíduo que age por ordem de terceiro responda ao processo ao menos para se apurar seu grau de responsabilidade no dano.

Já quanto à situação do art. 62 do CPC, que trás a figura do “detentor”, a nomeação persiste, pois aquele que tem a detenção de um bem – um caseiro, por exemplo – sendo, equivocadamente, citado para uma demanda, v.g., possessória, terá a obrigação de nomear à autoria o réu possuidor do bem no prazo de defesa. Não se trata de uma faculdade. É um DEVER, sob pena de responsabilidade por perdas e danos eventualmente causados com o atraso processual.

O novo código civil, no entanto, trás o entendimento de que o mero detentor possa fazer parte do polo passivo da demanda possessória, o que esvaziaria o art. 62 do CPC. Contudo, tanto a jurisprudência quanto a doutrina entendem que será possível ao detentor ser um legítimo demandado em uma ação possessória exclusivamente nos casos em que exerça uma detenção exacerbada de modo a violar a posse do possuidor direto, ou seja, daquele que lhe concedeu a detenção como responsabilidade. Neste caso, teremos uma possessória movida por aquele que entregou o bem à detenção – o possuidor direto – contra o detentor exacerbado, que se tornou possuidor direto ilegítimo. Assim, do ponto de vista teleológico, o que o novo código civil pretendeu foi, na verdade, trazer um mecanismo que possibilitasse ao possuidor direto a defesa frente ao eventual abuso, por parte do detentor, que ameçasse sua posse, e não o esvaziamento do art. 62 do CPC, como nos parece em uma primeira leitura.

A nomeação depende de uma concordância do nomeado e do autor da ação. Caso não haja tal concordância, seja por um destes ou por ambos, abrir-se-á prazo ao detentor para apresentar defesa e, nesse caso, estará desobrigado de arcar com eventuais perdas e danos, pois haverá cumprindo a obrigação de nomear à autoria.


      d) DENUNCIAÇÃO DA LIDE ou LITISDENUNCIAÇÃO
A Denunciação da Lide – ou litisdenunciação – permite que o autor e/ou o réu traga ao processo um garantidor – indivíduo que, por força de uma obrigação legal ou contratual (contrato de seguro, por exemplo), tenha a responsabilidade de ressarcir, autor ou réu, de eventual perda do processo.

O autor poderá trazer o litisdenunciado ao processo tão somente no prazo da petição inicial. Para o réu, a litisdenunciação ocorrerá na contestação. Para que ocorra a litisdenunciação, uma condição é fundamental: não pode haver controvérsia na relação de garantia, ou seja, tal relação deve estar claramente comprovada e incontroversa. Caso haja dúvida em tal relação, a litisdenunciação não será aceita e a parte terá que discutir o direito de regresso em um novo processo.

Ressalta-se que o autor não poderá demandar diretamente o garantidor do réu, mas tão somente o réu que, no mesmo processo, acionará o garantidor para o cumprimento.

O instituto em estudo está previsto a partir do art. 70 do CPC e corresponde a 3 hipóteses, previstas nos incisos I, II e III, quais sejam:

1ª Hipótese: DENUNCIAÇÃO POR EVICÇÃO (Art. 70, I, do CPC);
2ª Hipótese: RESPONSABILIDADE DO POSSUIDOR INDIRETO (Art. 70, II, do CPC); e
3ª Hipótese: REGRESSOS PREVISTOS EM LEI OU CONTRATOS (Art. 70, III, do CPC).

Discussão quanto à obrigatoriedade da litisdenunciação: o art. 70 do CPC veicula que a litisdenunciação será obrigatória, quer dizer, se a parte processual tem o direito de garantia frente a um terceiro e não o litisdenunciar, perderá tal direito. Ocorre que a doutrina entendia que tal dispositivo deveria ser reinterpretado por se tratar de uma norma processual prevendo a perda de um direito material. De tal modo, a jurisprudência sedimentou que, em regra, a litisdenunciação é facultativa. Veio, então, o código civil atual e, em seu art, 456, trouxe a ideia de que, tratando-se de evicção, a litisdenunciação deveria ser obrigatória. A doutrina comprou tal ideia da obrigatoriedade no caso da evicção, mas o STJ não. Para o STJ, mesmo nos casos de evicção, a litisdenunciação é facultativa, ou seja, mesmo que a parte opte por não litisdenunciar seu garante, não perderá o direito de regresso como entende a doutrina majoritária e parte da jurisprudência. Assim, para o STJ, a litisdenunciação é facultativa em todos os casos.

Da litisdenunciação persautum: está prevista no art. 456 do CC e possibilita que aquele que irá perder o bem traga ao processo qualquer um dos integrantes da cadeia de vendas deste caso seja identificado em tal integrante a origem do problema que enseja sua eventual perda. O corre que o STJ não aceita a litisdenunciação persaltum. Ele diz o seguinte em sua jurisprudência: se eu admito a litisdenunciação persaltum, estarei admitindo que um indivíduo denuncie outro com o qual sequer teve alguma relação jurídica, o que ensejaria a criação de um direito de regresso muito profundo. Para o STJ é possível, no caso, que haja a litisdenunciação de toda a cadeia de vendas. É a chamada litisdenunciação conjunta.

É também possível, sugundo entendimento do STJ, a chamada litisdenunciação sucessiva, onde cada integrante da cadeia de vendas litisdenuncia o próximo que é seu garante.

Quanto à hipótese do inciso II, do art. 70, do CPC – responsabilidade do possuidor indireto – tem-se a seguinte situação, exemplificando: imaginemos que Tício alugue um determinado imóvel. No momento da assinatura do contrato, Caio, o locador, tem a cesso a todos os documentos necessários de Tício e de seus fiadores, esquadrinhando a vida de ambos. Ocorre que locatário, no caso, Tício, nunca faz a mesma coisa quanto ao locador, ou seja, raramente locatário exige apresentação de documentos do locador. Diante dessa situação, pode ocorrer de o locatário alugar um imóvel que não seja do pseudo locador, pagando a ele quantia que não será revertido para o real proprietário do imóvel. Quando o proprietário do imóvel se dá conta do fato, vai ao locatário – no nosso exemplo, Tício – e alega que o imóvel em questão havia sido emprestado ao Caio – pseudo locador – como mero comodato, podendo, então, cobrar de Tício, além do pagamento do aluguel, perdas e danos, por eventual dano que o imóvel tenha sofrido. Diante de tal situação, Tício, como possuidor direto, só terá uma saída, qual seja, litisdenunciar possuidores indiretos do imóvel; no caso, Caio. Assim, Tício garante seu direito de regresso e poderá ser ressarcido do prejuízo nos mesmos autos do processo. Tal litisdenunciação é facultativa.

Por fim, na hipótese do inciso III, do art. 70, do CPC – regressos previstos em lei ou contratos –, temos a circunstância que envolve o seguro. Quando se fala em litisdenunciação por contrato de seguro, há alguém que irá sofrer um prejuízo no processo e que tem um segurador, uma empresa paga para suportar seu prejuízo. Em tal circunstância, em um primeiro momento haverá incidência do prejuízo na esfera do segurado e, em um segundo momento, mas no mesmo processo, o regresso contra o segurador. Ocorre que, diante do código civil atual – art. 757 e 787 –, alguns (doutrina majoritária) entendem que a responsabilidade do segurador teria sido transformada em uma responsabilidade solidária frente aos eventuais prejuízos que haveriam de ser ressarcidos frente a existência de um contrato de seguro. O segurador, então, por esse entendimento, responderia pelo prejuízo como litisconsorte passivo, ou, na pior das hipóteses, teríamos, em um primeiro momento, o litígio sendo interposto contra um indivíduo e, o indivíduo, chamaria ao processo o segurador, porque ele seria devedor solidário.

Entretanto, mais uma vez, o STJ não aceita tal posicionamento. A Corte, em sua jurisprudência atual, faz prevalecer a lei processual, o CPC. E entende que o segurador, em regra, deve ser litisdenunciado, não chamado ao processo, afirmando, portanto, que a responsabilidade do segurador é pela relação de regresso, não pela relação principal. O STJ faz apenas uma pequena complementação: diz que, se o segurador vier ao processo, sendo litigado diretamente ou solidariamente e nada disser, ou seja, se não se opor, passará a ser considerado devedor direto ou solidário.

Da denunciação às avessas: existem determinadas atividades que, em razão de seu potencial risco, exigem seguro obrigatório – companhias aéreas, por exemplo. Tal seguro obrigatório funciona da seguinte maneira: se, eventualmente, o indivíduo lesionado sofrer um dano, poderá, ao invés de interpor demanda contra a empresa aérea – com base no exemplo –, interpô-la diretamente contra o segurador da empresa. Entretanto, podo ocorrer de a empresa aérea não haver pago o valor pactuado no contrato de seguro, ou seja, o prêmio, restando inadimplente junto à seguradora. Nesse caso o CC, em seu art. 788, permite uma denunciação às avessas. Permite que, no prazo de defesa, a seguradora, que está garantindo o seguro obrigatório, alegue exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), esquivando-se do dever de indenizar.

      e) CHAMAMENTO AO PROCESSO
Ocorre sempre pelo polo passivo e sempre por um devedor. Esse devedor, no prazo de defesa, ou seja, na contestação, pode chamar ao processo devedores solidários ou subsidiários.

O problema está no art. 88 do CDC. Este dispositivo veda que haja litisdenunciações no âmbito da lei consumerista. Para a doutrina majoritária – e é o posicionamento majoritário também no STJ – a litisdenunciação estaria vetada em qualquer situação; fato do produto, fato do serviço, não importa. Isso porque, pela teleologia do CDC, não se admite intervenções que atrasem o processo.

Por seu turno, contrabalanceando o problema do art. 88, o art. 101, II, do CDC cria uma figura sui generis, qual seja, a do chamamento ao processo do segurador. Nesse caso, o dispositivo permite que o fornecedor demandado chame ao processo o seu segurador, caso o tenha. Nesse caso, observe, não se está trabalhando com litisdenunciação, mas com responsabilização solidária. E mais, o 101, II, trás a possibilidade de responsabilização direta do segurador no caso de o fornecedor ser falido. As turmas recursais foram mais além, estendendo a possibilidade de responsabilização direta do segurador mesmo quando o fornecedor não for falido.